domingo, 27 de fevereiro de 2011

Cicatriz


   
   Estava sentada num banco solitário num jardim pouco frequentado. Abraçava os joelhos. Abraçava a sua mágoa. A única dor que possuía agora era essa, a da cicatriz. Já se sentia curada, a dolorida ferida já não incomodava mais, mas as marcas continuavam lá. Existiam tão somente para fragilizá-la.
   Encarava o horizonte, imaginava o infinito. O sol já se despedia dela. Queria se perder naquelas linhas paralelas, mesmo que só imaginárias. Queria levar-se para longe desse lugar que em nada a deixava esquecer. A ferida não estava mais aberta, mas mesmo fechada o vazio havia ficado do lado de dentro.
   Ela sentiu nesse momento duas mãos gélidas a acariciar seu pescoço e ombros. Pulou num sobressalto.  Encarou aqueles olhos frios penetrarem sua alma e perfurarem novamente a cicatriz. A ferida começava a sangrar. Ela não podia permitir isso novamente.
   -O que você está fazendo aqui?- perguntou disfarçando o medo em raiva.
   -Sabia que te encontraria nesse lugar. Você sempre vem aqui quando se sente só.
   Ele ia se aproximando, ela se afastava com passos lentos para trás. Tentando evitar o contato. Tentando estancar o sangue que teimava em escorrer.
   -Vá embora- ela disse agora frígida.
   -Eu vim te buscar. Volta pra mim?- A expressão dele era de frieza, de reconquistar a presa que havia escapado.
   -Eu te dei tudo o que eu tinha. Eu me entreguei a você com todas as forças que meu coração possuía e ele agora está fraco. Eu confiei em suas promessas e elas me fizeram sangrar. E enquanto eu derramava minhas lágrimas cobertas de dores inflamáveis, você apenas sorria. Seus olhos deliciavam-se a cada momento de fraqueza que eu demonstrava. E mesmo assim eu deixava minha ferida aberta, para você ter a indócil gentileza de machucá-la mais.
   -Como pode pensar assim- o som sínico percorria a voz daquele que defasava sua alma- Eu te amo.
   -E onde você estava quando a dor me invadia cada veia? Onde você estava quando minhas lágrimas desciam voraz por minha face? Onde você andava quando meus olhos ficavam vidrados na porta a espera de sua presença? Onde você andava quando eu tinha que me agarrar á promessas para me manter viva?
   -Eu sempre estive ao seu lado!- ele gritou.
   -Mas o seu coração não.
   Então ela virou e começou a andar em direção ao horizonte. A mão na ferida que agora ardia. Demoraria algum tempo para cicatrizar-se novamente. Mas ela sabia que uma ferida fechada era mais fácil de esquecer, do que estando aberta e sangrando.

Pauta para o Bloínquês-58ª Edição Musical.



Eu sei! As palavras são fortes e até mesmo exageradas, mas eu não as escolho, são elas que me escolhem.  Não pedem permissão, apenas chegam e pulam para fora. São assim que as estórias surgem, elas pulam da gente.Transbordam sentimento, provocam emoções. Ás vezes assustam, outras vezes encantam. Agradeço desde já o carinho de todos!

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Cuspiu a Culpa na Vingança;


Pálpebras pesadas
Não somente as pálpebras,
Tudo se tornava pesado agora
O coração, o corpo e o medo.

Partiu, foi embora
Deixou partido também,
Aquele coração culpado
Que pela fraqueza foi sufocado.

Seus olhos foram arquibancada
Enquanto a bala perfurava a vida
Daquele que ela amava
Sentiu-se a criminosa ferida.

Foi pior que o próprio bandido
Que agora fugia apressado,
Mas ela já havia o perdido
Como fugiria da culpa do passado?

Inspirando a coragem ácida
O ardor na garganta sentia,
O veneno descia lento e áspero
Na vingança contra sua covardia.

27ª Edição Poemas- Bloínquês.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O caminho era o mesmo, ela não mais. Parte III


 
 
     Foi retirada daquele lugar sujo por seu irmão mais velho, que quase não acreditou ser ela naquela situação degradante. O caminho era longo, mas mesmo assim a pegou nos braços e a levou para casa. Procurou uma forma de que ninguém a visse, porque sabia a confusão que aquilo ia dar e também por ser um irmão super protetor e brincalhão.
     -O que aconteceu?- ele a perguntou confuso.
     -Nada- respondeu com olhos tristes.
     -Não se chora por nada. Não se deita na lama em uma tempestade por nada. E por falar nisso, onde estava o seu namorado naquele momento que a deixou na chuva?
     Nesse momento ela começou a desabar em choro novamente. Correu pro banheiro. Debaixo da água fria do chuveiro ela deixava todo seu corpo adormecer, ela só queria esquecer. Esquecer os últimos três anos e meios de sua vida. Esquecê-lo. Não imaginava que essa seria a tarefa mais árdua que ela iria enfrentar.
     Já mais tarde, os primeiros sintomas de seu resfriado começavam a aparecer. Enfiada em cobertas quentes, o frio ainda penetrava seu corpo. Vez em quando sentia aquele ardor descer pelo rosto, ela já havia se acostumado. Nesse momento, seu irmão entra com um copo de chocolate quente para ela.
     -Você é o melhor irmão do mundo sabia- ela disse com um sorriso triste.
     -Sabia- ele disse super convencido.
     -O dever de um irmão mais velho é nos ensinar as coisas a qual ainda não aprendemos. Não é?- ela perguntou.
     -Sim, esse é o dever do irmão mais velho- ele disse passando a mão em seu rosto dócil.
     -Então me ensina a esquecer?
Ele não achou resposta para essa pergunta, no fundo sabia que esquecer não era uma tarefa fácil, e causava muita dor. Dor essa que só ela poderia curar. Então a abraçou, porque isso sim ele podia fazer. Podia estar com ela enquanto ela lutava para esquecer.
     Os dias passavam arrastando-se. Ela segurava mais forte seu coração a cada dia, para que o sangue parasse de jorrar, mas ele sempre escapava por entre seus dedos, e isso doía como ferro quente na pele. Não sentia mais fome e por isso estava pálida nesses últimos dias.
     Hoje se sentia tonta, então subiu as escadas, queria se trancar em seu mundinho. A visão escapava-se pra longe. Ela sentiu o chão duro bater em suas costas. Como sempre seu irmão a socorreu aos gritos. Levaram-na para o hospital de outra cidade, já que nessa cidadezinha não havia um.
     Foi medicada, nada grave a atingia, não por fora. Estava apenas com uma leve anemia, falta dos alimentos que ela ultimamente não conseguia mais ingerir. Enquanto sua mãe e seu irmão conversavam com o médico, ela começou a andar pelos corredores.
     Sentiu um baque em seu coração ao ouvir uma voz bastante familiar na sala ao lado. Aproximou-se apreensiva. Sim, era ele. Sua respiração ficou ofegante, sentiu ela faltar por vezes.
     -Infelizmente esse tipo de coisa inadmissível ainda acontece em muitos hospitais por aí- ela ouvia o médico dizer atrás da janela de vidro- Total imprudência é o que atinge pessoas através de seringas contaminadas pelo vírus da AIDS. 
     Ela paralisou-se nesse instante. Sentiu o chão sumir diante de seus pés.
     -Devia ter me contado- ela entrou aos gritos e lágrimas dentro da sala. Ele se assustou, ficou pálido.
     -O que você está fazendo aqui?- ele perguntou trêmulo, mas nem esperou resposta, saiu pela sala correndo. Ela correu atrás dele. Já fora do hospital, ele parou, virou-se e gritou:
     -Você não entende? Não pode chegar perto.
     Ao mesmo tempo em que ela avançava lentamente, ele retrocedia também.
     -Não pode fugir de mim!- ela gritou chorando.
     -Não estou fugindo, estou te protegendo. Você não vê que é perigoso chegar perto? Não quero ver você... - ela o interrompeu.
     -Então não me proteja, deixa que eu cuido de mim.
     -Não posso fazer isso. Sinto muito.
     -Por favor?- ela disse. Ele parou, ela avançou lentamente- está tudo bem, não vai acontecer nada. Só me abraça- ela disse.
Chegou mais perto, ele hesitou por um instante, depois a abraçou bem forte. Os dois choravam. Ela quis beijá-lo ele a afastou.
     -Não tem problema ela disse.
     Então se beijaram, mas aquela doença ainda estava entre eles e permaneceria pra sempre. 




Esse não é o ponto final da "estória". Personagens também vivem quando não há um ponto final. Vivem dentro de cada um que leu essas linhas e que agora imaginam a continuação que não será posta em palavras. Essa "estória" será escrita agora da forma que vocês pensarem melhor ser. Só peço humildemente que cuidem bem dos meus personagens. Agradecendo sempre a paciência, dedicação e os gritos silenciosos de todos!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A Última Chuva;

     Tarde chuvosa. Dentro do carro parado, eles riam, embora os outros motoristas soltassem palavrões com o congestionamento. Ela ria das piadas sem graça dele. Ele sorria do jeito com que ela reagia as piadas. Não tinham nenhuma pressa, apenas conversavam abraçados para se aquecerem do frio. 
     -Qual o seu maior medo?- ele perguntou de repente.
     -Que pergunta é essa?- ela retrucou sorrindo.
     -Me responde- ele insistiu agora sério.
     -Não sei- ela começou a ficar pensativa- Nunca parei pra pensar nisso. Mas por que se preocupar com isso? Existe alguma coisa de que eu deva temer?- perguntou agora ainda mais séria.
     Ele nada respondeu, apenas a abraçou mais forte. Ela deixou passar, mas algo dentro dela queria decifrá-lo agora. Ela desejou poder ler seus pensamentos nesse momento. Mas sabia que isso não poderia acontecer.
     - Amo você- ele disse baixinho para ela- muito mesmo.
     Os dois se beijaram apaixonadamente. Ele a abraçava com força, não queria soltá-la. Algo perpassava por suas expressões, algum pensamento despertou medo naquele abraço. Buzinas ensurdecedoras vinham dos carros que estavam atrás. O trânsito já havia descongestionado. Terminaram o beijo, ele imitou a voz do pato Donald dizendo:
     -Ah, que namorada linda essa que eu tenho- ela voltou a sorri de suas piadas, ele da reação dela ao ouvi-las.
     -Põe o cinto- ele disse, agora com a voz normal.
     Enquanto ele dirigia, ela fuçava alguns papéis dentro do lixeiro na porta do carro. Encontrou uma folha de cor meio amarelada. Ele gritou.
     -Coloque-a de volta.
     -Mas por quê?- ela perguntou com uma certa curiosidade.
     -Por favor?- ele implorou.
     Nesse momento uma enorme carreta vinha desgovernada pela chuva buzinando. Foi tudo muito rápido. Um barulho alto como de uma explosão foi ouvido. Ouviram-se gritos.
     Ela acorda confusa. A sala muito clara ofuscava sua visão.
     -Victor! Victor- foi a única pessoa que ela conseguiu chamar.
     -Calma querida!- sua mãe passava a mão por sua testa- está tudo bem.
     -A quanto tempo estou desacordada?
     -A três dias.
     -Cadê o Victor? Eu quero vê-lo- disse tentando levantar-se da cama.
     -Você não pode se lavantar querida, tem que descansar.
     -Ele está bem? Não está mamãe?
     Sua mãe demorou a responder.
     -Mãe?- perguntou aflita.
     A mãe apenas sacudiu a cabeça, e ela já começou a ficar agitada.
     -É mentira, não pode ser! Você está mentindo. Porque mente pra mim mamãe? Vou procurá-lo, eu vou atrás dele. Me solta mamãe.
     -Enfermeira!- Sua mãe gritou.
     -Não mamãe, não me faça dormir de novo, por favor- sua mãe se segurava pra não chorar na frente dela. Tinha que ser forte.
     -Querida, ele morreu tentando salvar sua vida. Na hora do acidente, ele virou o carro para que a carreta choca-se apenas do lado dele. Ele a amava.
     A garota agora soluçava de tanto chorar, sacudia a cabeça sem querer acreditar naquelas palavras que ouvia sua mãe dizer.
     -Não é justo, a minha vida pela dele? Não é justo. 
     -Essa folha estava em sua mão na hora do acidente. Parece ter sido arrancada de um diário.
     Ela abriu e leu, a cada palavra, uma nova lágrima.

Hoje sonhei que havia perdido você, e esse foi
o pior pesadelo que eu pude ter.
No sonho você tinha sumido e por mais que eu
á procurasse não conseguia encontrá-la e 
isso me dilacerava por dentro.
A única vontade que eu tinha era de morrer,
de sumir também e aparecer do seu lado.
Porque quando eu não estou com você, 
é como se eu não estivesse comigo.
Não ia conseguir viver num mundo em que seu sorriso
não me preenchesse e seu amor não me completa-se.
Ainda bem que foi só um pesadelo, e hoje
posso te ter comigo e dizer que te amo,
mais do que a minha própria existência.

     Soluçava sem parar ao terminar de ler aquelas palavras. Seria esse um pesadelo também? Não, não era e ela sabia disso.
     -Mãe, pode ir buscar um copo de água pra mim?
     -Claro meu amor.
     Na volta, sua mãe deixou o copo com água cair, junto com a primeira lágrima que ela tanto guardara.
     -Enfermeira! Enfermeira!
     Correu pra cima da filha já fria e pálida. Com todos os aparelhos desligados e o vidro de remédio já seco. Pegou a folha úmida de lágrimas e leu no verso:

  Sinto muito mamãe,
mas não consegui acordar do pesadelo,
e não posso viver sem ele.





Sei que ficou enorme, mas as palavras não gostam de serem controladas. Sei que apenas os apaixonados por elas teram a paciência de lê-las com interesse e intensidade. Agradencendo desde já a todos que por aqui passam e deixam seus gritos ecoando no silêncio.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Sangrando;




Estou sangrando novamente. Dessa vez o sangue escorre de meus braços, eu havia cortado meus pulsos na tentativa de morrer outra vez, aquele líquido vermelho e tão familiar descia vagarosamente por uma grama escura. Mas uma tentativa falha, eu já sabia. Sabia que eu não iria me livrar de meus medos tão fácil assim. Abri meus olhos e espiei em volta. Onde eu estava? Não me lembro, só consigo ver aonde cheguei agora.
Uma floresta escura, a mesma de sempre. Sozinha eu andava como um ladrão à noite. Eu só queria me roubar de volta, só isso. Mas o labirinto ao qual eu havia me jogado era sem saída, e mesmo assim eu fui, porque aquela era minha última alternativa pra fugir, me esconder.
Já não consigo mais chorar, ás lágrimas secaram dentro de mim, no lugar em que fiquei. Aqui onde estou agora, fico impossibilitada de sofrer as dores impregnadas dentro de meu coração que eu luto para costurar. Tento saturar-me de volta a mim. As únicas dores que aqui sinto, são as carnais, onde ajo com masoquismo ao meu próprio corpo. Porque sei que onde fiquei eu não teria coragem de me fazer sangrar por fora. Onde eu fiquei o sangue só me invade a alma.
Vejo um vulto entre as enormes árvores a minha frente. Levanto-me, e começo a andar á procura de quem anda sem minha permissão no vale das sombras. Depois de andar atrás desse vulto feito louca, ele parecia ter parado um pouco mais distante na minha frente. Fiquei Parada por alguns segundos, só olhando. Depois comecei a andar lentamente.
Não podia ser. Isso nunca tinha acontecido antes. Ele apareceu na minha floresta sombria, não devia estar aqui. Nesse lugar só deveria existir eu, só tem espaço para mim e meu masoquismo aqui. Ele agora olha fixamente pra meus pulsos cortados, sua expressão é de dor. A minha também, só que agora eu sangrava por dentro, isso fugia do meu controle.
- Não pode fazer isso- ele disse.
Eu quis falar. Quis gritar com ele, mas minha voz não saía, ela estava presa na minha dor. E ele continuava a falar.
- Eu queria que você soubesse de uma coisa- ele falava olhando pro chão.
Eu queria mandar ele sair daqui, mas ao mesmo tempo queria beijá-lo. Eu queria dizer tudo o que ele tinha me causado. Eu abria a boca, eu falava, mas o som não saía. Uma lágrima desceu. Não, isso não era possível antes. Porque ele apareceu aqui, justo aqui.
- Eu preciso te dizer, que eu- ele continuava a falar, mas sua voz ia ficando cada vez mais fraca- te amo- saiu num sussurro.
Eu podia ouvir muitas vozes agora, alguém gritava ao longe. Alguém me sacudia forte, e uma voz em meu ouvido dizia:
- Sophia, precisa acordar.
Eu havia voltado ao lugar onde eu fiquei. 

55ª edição conto/história

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O caminho era o mesmo, ela não mais. Parte II




     Voltou pedalando aceleradamente pra casa, as lágrimas banhavam todo seu rosto e salgava por vezes sua boca, soluçava mais forte cada vez que se lembrava das palavras que ouvira vindas dele, cada vez que se lembrava dele e que não pertencia mais a ele. Quase caiu da bicicleta por duas vezes, mas ela nem estava se importando se um carro passasse por cima dela agora, embora não houvesse movimentação de outro veículo á não serem as bicicletas vizinhas, seria um alívio.
     Chegou em casa, jogou a bicicleta com força pra longe dela. Correu pro quarto antes que alguém a visse naquele estado. Caiu na cama, abraçou os joelhos, chorou. Olha pra cabeceira da cama, lá estavam suas lembranças congeladas em fotografias. A felicidade ali revelada parecia falsa diante das lágrimas já secas em seu rosto agora.
     Ela se perguntava como era possível que três anos e meio parecessem nada, já que agora ela não o tinha mais. Não, ela não podia se conformar com essa condição que ele impôs a sua vida. Ela não podia deixar que ele a deixasse assim, congelada em lembranças.
Pegou o celular, do outro lado da linha uma voz que não era a esperada fala: ”O número chamado não existe, por favor, verifique o número discado e tente novamente”.
     -Como assim? É claro que o número está correto- murmurou pra si mesma.
     Tentou inúmeras vezes mais. De repente é como se ele estivesse sumindo de seu alcance, é como se ele nem existisse mais, como se tudo tivesse sido um sonho de três anos e meio. Ela não poderia suportar isso!
     No dia seguinte, mesmo com o céu carregado de nuvens, pegou sua bicicleta e saiu pelo mesmo caminho, em cada detalhe uma lembrança depositada, de gosto amargo e doce no mesmo sabor. Ela se esforçava para não se lembrar de nada, pra que suas lágrimas ficassem guardadas só pra ela.
     Chegou diante da velha casa, respirou fundo criando coragem pra entrar. Confusa, não sabia se devia bater na porta ou simplesmente adentrar, como se fosse da família. Mas então chamou, pois já não pertencia aquele lugar. Não depois do adeus.
     Chamou, chamou e ninguém atendeu. Tentou abrir a porta, mas estava trancada. Um senhor que ia caminhando devagar, apoiando-se em sua bengala, foi quem gritou:
     - Não há mais ninguém aí! Acabaram de se mudar.
     Demorou um pouco, pra seus sentidos processarem essa informação.
     - Como?- foi a única palavra que saiu de sua boca trêmula. E depois continuou- O senhor tem certeza?
     - Sim, tenho.
     - Pra onde foram?- perguntou decidida a ir aonde quer que eles estejam.
     - Não sei, mas acho que pra longe, muito longe- disse o senhor já saindo.
     Essa última frase veio como um tiro certeiro em seu coração. Ela ficou extasiada no mesmo lugar. A primeira lágrima já descia silenciosa pelo canto do olho. E as primeiras gotas do céu faziam companhia a ela. De repente, tomada por um surto de desespero, começa a bater desesperadamente na porta. Ela grita o nome dele sem parar. A chuva já forte se mistura com as lágrimas que descem gritantes.
    Desistindo de bater na porta, deita-se na lama, rendendo-se ao medo de perdê-lo pra sempre. Seu vestido branco, agora todo sujo e transparente, causava-lhe repulsa, por ter sido um presente dele.
    E a chuva lava seu corpo, mas não leva as lembranças!



quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Arames Farpados;







Tinha algo dentro dela
Cheio demais, pesado demais,
E que também incomodava demais
Mas ela precisava guardá-lo lá.

Chorava sentindo aquele peso
Estava coberta de arames farpados,
Matinha a sete chaves aquele segredo
Que só a ela pertencia, desolado.

Queria fugir pra longe de si mesma
Mas não se foge de lembranças,
Nem se da vida a rosas já secas
Ela sabia disso há muito tempo.

Guardava pra si, só pra seu coração
Guardava com lágrimas, a sete chaves,
Não queria, não podia que ninguém soubesse
Tamanha loucura que com dor guardaste.

Um amor repleto de dores abstratas
Um amor que foi desprezado no passado,
Hoje chora se condenando culpada
Pela morte daquele que não foi amado.

Hoje ama em segredo, em tempo errado
Guarda esse amor junto com a lembrança,
Lembrança daquele dia pesado
Do suicídio de quem agora ela ama.

Leu aos prantos uma carta
Que hoje atormenta seus dias,
Leu tremendo com a pele pálida
Aquelas palavras tão frias.

Meu amor hoje eu estou partindo
Pois só assim te esquecerei,
Estou cumprindo minha promessa
Mas eu sempre te amarei.

                                                             - Pauta para o Bloínquês- 26ª edição poemas.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O caminho era o mesmo, ela não mais.


   Foi numa tarde, como qualquer outra. A rua era a mesma, o sol brilhava do mesmo jeito, estava lá o velho lago, ela andava na mesma bicicleta, só ela que já não era mais a mesma. Pelo menos não na volta!
   Toda tarde como de costume ela ia pra casa dele, ria muito comendo pipoca e assistindo filmes junto com ele e alguns primos que já sabiam a hora exata de ir “encher o saco”.
   Mas naquela tarde não foi assim, e ela nem previa o que estava pra acontecer. Pegou sua bicicleta, saiu pelo mesmo caminho que percorria toda tarde.
   Chegou ao seu destino final, fitou a velha casa onde passara todas suas tardes durante três anos e meio. Algo apertava seu coração olhando aquela estrutura que guardava inúmeras lembranças da vida feliz que ela leva(va) ao lado dele, da pessoa que a tirou de seus dias vazios.
   Achou estranho o fato dos primos dele ainda não terem chegado, já que hoje ela havia se atrasado.Entrou na casa, não parecia haver ninguém. Chamou o nome dele, uma, duas, três vezes. Só na terceira vez ele respondeu, com uma voz presa.
   - Estou aqui.
   - Onde?- ela perguntou confusa.
   - Bem aqui, atrás de você.
   Ela se assustou com aquela voz gélida dele, bem atrás dela.
   - Aconteceu alguma coisa?- ela perguntou. Depois de alguns segundos parado, fitando-a com olhos pesados, ele respondeu.
   - Sim. Aconteceu algo que eu preciso contar-lhe. Algo que talvez você não entenda agora, mas quem sabe um dia.
   - O... - ela engasgou- quê?- perguntou temendo a resposta.
   - Não posso- ele fez uma pausa- mais ficar com você, eu não posso.
   - Como assim?- ela ficou agitada- o que você está dizendo? Você está brincando não é? Isso é uma brincadeira? Não teve graça- Ela se aproximou pra beijá-lo. Ele se afastou.
   - Tente me entender- seus olhos disfarçavam algo, que ela não compreendia.
   - Como?- disse sacudindo a cabeça, já deixando cair uma lágrima.
   Ele tentou falar, mas se calou ao ver que não conseguiria explicar de uma forma que ela entendesse e que ele pudesse. Ela então saiu correndo, ele quis pegá-la quando ela virou as costas, mas sua mão não a alcançou e ele apenas ficou parado, extasiado dentro de si mesmo.
   Na sua volta pra casa agora viu todas as coisas como um monte de lembranças felizes, mas que não a faziam sentir essa tal felicidade, ao contrário, aquilo fazia seu coração sofrer pulsações estranhas e doloridas.
   O caminho era o mesmo, mas ela não mais!


                                                 






  

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Vamos Fugir?

  
 
  Eu estava no trabalho em mais um dia chato e corrido, com uma dor de cabeça infernal. Muita gente correndo de um lado pro outro. Telefone tocando sem parar. Muitos papéis pela mesa e eu procurando apenas um que meu chefe extressado já pedira pela terceira vez.
     Passei o olho por toda minha mesa, uma bagunça que só me deixava mais intediada naquele ambiente diário. No canto da mesa estava algo que eu não havia colocado lá, ou pelo menos não lembrava ter colocado, com tanta coisa na cabeça.
     Era uma única rosa dentro de um pequeno jarro de vidro com água até a metade. Não, eu não à coloquei ali, nunca tinha visto uma rosa tão linda igual aquela, se tivesse a visto antes não teria esquecido com tanta facilidade.
     Tinha um pequeno pedaço de papel em baixo do jarro. Apenas um pequeno papel comum e simplório, mas que acarretou uma curiosidade (a)normal. Estava dobrado apenas na metade. Abri-o.
Vamos fugir?

     Dei risada e depois disfarcei. Sensações estranhas percorreram meu corpo ao ler essas duas palavras, tão ingênuas de início. Era o que eu realmente queria fazer nesse momento, nesses dias de rotina sem sentido. Eu sabia agora quem havia deixado aquela rosa ali, com aquelas letras inconfundíveis.
     Foi ele, mesmo depois da briga da noite passada, como todas as noites em que eu chegava estressada por causa do trabalho. Foi ele, mesmo com as ofensas horríveis que direcionei a seus ouvidos, tão inocentes.
     Nesse momento não sabia se ficava feliz por ele não estar chateado comigo, ou se me sentia culpada por ter sido injusta e solipsa com a pessoa que mais amo.
     Ouvi uma buzinha insistente vindo da rua, olhei pelo vidro da janela, meu coração chegou na boca em segundos, era ele. Sorrindo como sempre, de um jeito que fazia minha pulsação se desgovernar por inteira, olhava pra mim com aqueles olhos vibrantes. Pegou algo dentro do carro, era um cartaz.

Foge comigo amor?

     Dei um sorriso de criança que conquista o brinquedo desejado, olhando fixadamente pra ele da janela do quinto andar, numa folha de ofício escrevi:


Está maluco?

     Ele deu uma risada maliciosa e começou a escrever algo no verso do cartaz.

Por você! 
O que está esperando?

     Ele estava falando mesmo sério? Eu nem sabia o que pensar no momento. Como posso largar tudo assim do nada. Agora ele está tirando alguma coisa do paletó. São duas passagens que ele sacode com um meio sorriso, que me derrete toda. Escrevi de novo numa outra folha.

Está falando sério?

     Agora ele fuça todo o seu carro, procurando mas alguma coisa onde possa escrever. Achou uma folha de caderno amassada, que eu mesma havia jogado e escreveu.

Sim, estou!
Vamos logo amor?
(virou) 
Esta é minha última folha! 

  E agora? O que eu faço? Como posso largar tudo assim, a vida que eu construir?
    - Lannah, cadê meu documento?- gritou meu chefe furioso!
    - Se estar com tanta pressa, porque não procura você mesmo?- respondi num surto de adrenalina.
    - Como é que é?- Perguntou indgnado saindo da sala e me olhando furioso. Nesse momento todos olhavam pra mim. E uma coisa possuiu meu corpo, e eu agradeço muito a esse espírito libertador!
    - Isso mesmo. Estou me demitindo. Pode começar a procurar a porcaria do seu papel.
    Saí correndo pelas escadas. Coração pulsando a mais de mil. Adrenalina no sangue. Doce sensação de liberdade. Cheguei na porta e parei com a respiração ofegante, olhei pra ele e gritei:

    - Sim meu amor, eu fujo com você! 

   E corri para abraçá-lo e o resto do mundo sumiu naquele momento.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Um encontro;

     Ja fazia uma semana que havia acontecido, já não deveria mais doer tanto, ela não podia mais continuar chorando desse jeito. Andando feito louca pelas ruas á procura de alguém que mal conhecia. Ela sabia que era loucura, mas algo mais forte que ela não a deixava parar. Não, ela não podia parar.
     Como todos os dias, há uma semana, ela dedicava suas tardes a procurá-lo, ela precisava fazer isso, não podia ficar parada fingindo que nada aconteceu. Andava pelas ruas pedindo informações, qualquer coisa que pudesse ajudá-la.
      Todas as suas tentativas foram falhas, e ela chorava toda vez que pensava nisso. Chorava como se as lágrimas pudessem trazê-lo de volta. Depois de tanto andar pelas ruas, decidiu ir a um lugar onde não teve coragem de ir nesses últimos dias, desde o que acontecera na semana passada.
     Com passos lentos e o coração arrasado, foi até o antigo carrossel da cidade. Sentiu mil facadas no peito ao olhar pra ele e sentiu suas pernas tremerem. Todo o seu corpo sofria reações estranhas ao olhar aquele carrossel e ela queria correr, mas não encontrava forças. Sentou-se então no único banco que havia por perto e ficou a olhar para as lembranças daquele dia dentro de sua memória, que insistia em não esquecer.
     Lembrou de cada detalhe. Foi tão rápido, mas deixou uma marca profunda, tão dolorosa!
     Ela havia decidido que voltaria ao carrossel, a extamente uma semana atrás, não podia deixar os traumas da infância a perseguirem pra sempre. Sim, ela tinha um trauma. A seis anos atrás foi sequestrada naquele mesmo carrossel e viveu três dias de medo e angústia, os piores dias de sua vida.
     Então voltou, porque aqueles fantasmas não poderiam ficar dentro dela pra sempre. Se livrou de um trauma, mas não da dor que agora sente.
     Ela nunca o tinha visto antes, aquela foi a primeira vez, justo quando ela estava indo se livrar de seus fantasmas. Ele percebeu que ela estava nervosa, e pensou que aquela era a primeira vez em que ela subia em um carrossel. Se aproximou.
     - Venha- disse segurando-a pela mão e provocando um pequeno susto- Desculpa, não foi minha intenção assustá-la. Deixe-me ajudá-la.
     Ela não disse nada, apenas sentou-se prómixa a ele. Seu coração teve reações estranhas naquele momento. E aqueles cinco minutos girando no carrossel com ele, foram os mais felizes de sua vida. Mas de repente um amigo dele o puxa apressado e ele sai sem nem conseguir despedir-se dela. Nem o nome dele ela sabia, nada. Só sabia que precisava encontrá-lo.
     Sentiu naquele momento, sentada naquele banco, algo encomodar sua perna. Se afasta e ver uma folha dobrada e esprimida entre duas talbas do banco. Tirou e leu aquelas palavras.
  
Para a garota desconhecida.

Nem sei por que estou escrevendo isso. 
Não sei quem estará lendo essa confissão agora, mas preciso falar.
Há uma semana encontrei uma garota nesse carrossel.
E desde então a tenho procurado desesperadamente,
mas nenhuma tentativa me levou a ela, 
eu nem sei seu nome.
Mas sinto dentro de mim que preciso encontrá-la.
Deposito minha esperança nesse papel.
Quem sabe ela também não esteja procurando por mim.
Quem sabe ela não encontre essas palavras e
salve meu coração desse desespero.

     Nesse momento sentiu um nó na garganta, ela sabia que era ele. Ela tinha finalmente uma pista de que ele era real agora. Virou o papel, e eis que havia mais algo escrito:

Rua Cruz das Almas, 23.
Estarei á espera de que ela apareça.



        - Pauta para o Bloínquês, 55ª edição visual.
 
                                                                                            

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Hoje eu sei;



E hoje eu sei... Entendi todas as suas palavras, que antes me pareciam tão erradas, tão sem sentido, mesmo sem serem pronunciadas. Hoje eu já entendo o que você queria dizer quando só olhava de perto minha angústia e desespero.
Antes eu me perguntava o que o fazia ficar ali naquele ambiente degradante em que eu me encontrava. Você não dizia nada, nem uma palavra e eu me sentia culpada por vê-lo ali. Eu te pedia que se afastasse e que fosse embora. Eu gritava com você, mas você só segurava a minha mão e apertava.
Eu nunca te disse, mas seu silêncio por vezes me matava e eu queria que você dissesse o que fazia ali, naquele lugar tão frio. Eu queria que você me dissesse por que nunca saiu dali. Mas hoje eu sei...

Eu me mantinha fechada naquele labirinto que só a mim pertencia e você aos poucos foi tomando ele pra você também, e engraçado, só eu me perdia em meu próprio labirinto, você parecia o conhecer melhor do que qualquer outra pessoa.
Antes eu não sabia, mas hoje eu sei. Eu sei o que você queria dizer quando só me olhava, quando apertava a minha mão, quando ficava ali o tempo todo naquele lugar. Eu sei o que você queria dizer e também sei por que não disse. Hoje eu também queria conseguir dizer, que te amo do mesmo jeito que você me amou. Sem palavras...