quarta-feira, 6 de julho de 2011

Era tudo o que ela tinha


   Numa casa vazia. Início de manhã, janela fechada, cortinas escuras. Meias largadas, uma cama com muito espaço, travesseiro no chão. O frio era invasor de corpo a tremer, de alma a soluçar. Um guarda-roupa metade vazio. Um chuveiro quebrado, porta-retratos de cabeça para baixo. Uma porta fechada sem ninguém para abrir. Era tudo o que ela tinha.
   Pés descalços desciam as escadas, os únicos a ali deixarem pegadas. Na mesa, duas cadeiras; numa ela sentava, na outra a lembrança se acomodava. Duas xícaras; numa o café caía forte, na outra se despejavam lágrimas. O barulho das gotas insistentes no telhado, o chiar do velho rádio, cada canto da cozinha a invadir a mente e os fantasmas de um passado ainda presente. Era tudo o que ela tinha.
   Olhos inchados a encarar a imensidão da sala; não era tão grande antes. Mãos cruzadas, ela abraçava a si mesma. No estômago o café amargo se mistura a sensação de medo, de dor, angústia. A televisão ligada a preencher com sons vagos o ambiente fúnebre. Dois sofás invadidos de choros e cobertores. Um tapete para se contorcer, descarregar, gritar. Era tudo o que ela tinha.
   Noite escura, céu sem estrelas, lua escondida. Espelho rachado, perfumes quebrados, alma defasada, corpo marcado. Lágrimas incansáveis, soluços intermináveis, medo a corroer. Flores murchas, despetaladas, flores jogadas sobre o enterro de si mesmas. Insônias, gritos ecoando no silêncio. Cartas rasgadas, queimadas, guardadas. Era tudo o que ela tinha, depois que ele a deixou. 

17 comentários:

  1. Que texto lindo. Realmente, tudo o que nos sobra quando ele nos deixa são lembranças e mágoas. Adorei :)

    ResponderExcluir
  2. Gostei muito, tá bom mesmo. Parabéns =DD

    ResponderExcluir
  3. Oi Jayne!
    Estou em final de periodo na facu, mas não me contive qd vi que tinha post novo. Que bom! Valeu a pena escapar um pouco dos livros e vir me encontrar aqui.

    Infelizmente, li meus sentimentos, e por acaso, se ele existe, uma amiga neste momento me enviou uma musica para ouvir, e ouvi lendo seu post.

    Mas a sensação de me ver de fora (no seu texto/poema) me faz tomar distancia, me faz enfrentar a realidade, ainda que dificil.

    Beijos carinhosos, sou fã de sua escrita!

    ResponderExcluir
  4. Que lindo.. E que triste, ao mesmo tempo!! Mas, adoro tudo o que escreves..

    beijo, flor.

    ResponderExcluir
  5. Oi Jay,
    estou passando aqui rapidinho para divulgar que no blog da artista plástica Ma Ferreira, ela fez um post onde casa uma peça dela com uma crônica minha, se quiser dar uma olhadinha! Beijos. Desculpe usar o espaço dos comentários para isso, mas foi mais rápido!
    Depois volto com calma, amiga!

    No link:

    http://mdfbf.blogspot.com/2011/07/o-homem-e-o-cara-picasso.html

    ResponderExcluir
  6. Quando ele se foi o medo dominou, a solidão aprisionou, o pequeno espaço aumentou. Quando ele se foi o café amargou, as estrelas sumiram, a lua se intimidou. Quando ele se foi restou a dor, as suas palavras e tudo o que ela tinha era a imensidão de um vazio interminável.

    Jaynne, me fez fugir do estudo! SAHuHASUAUSas... 100% tu!

    ResponderExcluir
  7. Há momentos nos quais os silenciosos gritos tornam-se ainda mais agudos... esse parece ser o caso desta postagem.

    Fraterno Abraço.
    Beijo Terno!

    ResponderExcluir
  8. Oi Jay, voltei!
    Ando também sem tempo, e por aqui tudo acontece ao mesmo momento, e tenho que dar conta.

    O teu texto fala dos restos, das sobras que temos que juntar quando alguém vai embora, são xícaras de lágrimas para nos compor, e é tudo muito difícil. "era tudo que ela tinha".
    Maravilhoso, amiga!
    Beijos.

    ResponderExcluir
  9. Adorei o texto .. você escreve muito bem .. parabéns mesmo ..

    ResponderExcluir
  10. E ficou tudo tão claro, você fez com que a dor da personagem se intensificasse a cada linha, mostrando-se para o leitor da maneira mais visceral que pôde se mostrar. A sua escrita encanta Jay, mesmo quando se trata de contextos tristes.

    Beijo grande.

    ResponderExcluir
  11. Sinto uma dor insensata assim as vezes, em brigas de amor, o coração é quem sofre. E eu acabo como uma criança, sem colo, sem ouvidos. Eu agradeço por poder ler essa coisa tão linda. parabéns Jaynne..

    ResponderExcluir
  12. O vazio de um partida é capaz de destruir o que era rotina (amor), se faz insensato, joga o corpo ao chão, traz vazio aos espaços vazios e o que resta é a lembrança, que perdurará seguidamente da dor.

    ResponderExcluir
  13. Algumas vezes queria poder me esconder feito a lua...

    ResponderExcluir
  14. já tinha lido o texto, mas hj voltei e li de novo, esqueci que tinha já postado tb, rsrs ok, a leitura é outra mesmo. Mas ao vim aqui comentar de novo, fiquei lendo os comentários, gosto de ler os comentários, gosto de saber o que as pessoas, pensam, falam..e incrivel...quanto comentário bom.

    Os comentários sempre estende um pouco mais a reflexão, gostei do que disse alguém ai em cima, vc fala de restos...lidar com os restos não é fácil..

    É preciso juntar os cacos né, se tiver tudo quebrado, remendar só piora!!

    ResponderExcluir
  15. Que lindo. Realmente, só sobra isto quando ele abandona, magoa, dor, e lembranças de momentos bons que poderiam ter se repetido. Muito lindo mesmo <3
    http://senhoritaliberdade.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  16. Que lindo. Realmente, só sobra isto quando ele abandona, magoa, dor, e lembranças de momentos bons que poderiam ter se repetido. Muito lindo mesmo <3
    http://senhoritaliberdade.blogspot.com/

    ResponderExcluir

Dúvidas ou contribuições?
Deixe seus rabiscos aqui também...