sábado, 5 de março de 2011

Surpresa!


   Caminhei sozinha pela cidade já adormecida. Dentro do peito apenas um amor não correspondido, na cabeça a lembrança daquelas suas palavras, tão rudes. Eu só queria sumir de mim mesma, queria não existir nessa história, ou melhor, queria que ela fosse escrita de outra forma, com palavras mais doces e carinhosas. Ás vezes, à noite, eu penso em fugir. Mas fugir para onde? Além do mais... Não adiantaria muita coisa, a dor não fica onde estivemos, ela nos acompanha aonde quer que nós vamos. 
   Mas sei que o mundo jamais girará conforme a música que meu coração toca, e terei que aprender a ouvi-las, mesmo que cheguem desafinadas aos meus ouvidos essas notas tão doloridas. É medo o que meu coração sente? Sim, é medo. Medo de que ele viva sempre assim, despedaçado. Medo de não achar uma saída na qual eu possa caminhar tranquila, com o corpo leve.
   Eu já não choro mais. E isso não é o que me deixa forte, ao contrário, é a prova maior de minha total fraqueza. De quão machucada já estou. Essa não é a primeira vez, talvez não seja a última. Temo não aguentar mais essas perfurações na alma. Temo já ter esgotado a última força que me sustentava. Temo ser você o causador da queda de minha pilastra emocional.
   Odeio tudo isso. Odeio a minha incapacidade de me reerguer, de concertar meu próprio coração ferido. Por isso me jogo em qualquer lugar. Por isso estou aqui hoje, jogada nessas ruas desconhecidas. Perdida nessa cidade, que vim te encontrar. Onde você não me quis. Jogada ao relento, à sua espera que nunca chega.
   -Joana- uma voz gritava ao longe. Era ele, o que queria agora? Destruir o que já não mais é inteiro?
   -Vá embora, volte para sua casa. Esqueça minhas palavras.
   -Ficou maluca? Você não deveria ter saído de lá daquele jeito.
   -Não? E deveria ter feito o quê? Observado parada você destruir o que restava de mim?
   -Quer fazer o favor de se levantar desse chão sujo?- ele me disse já irritado. Que direito ele tem para se irritar?
   -Não, obrigada.
   -Você ao menos sabe onde estar?
   -De que te importa? Faz alguma diferença, em qualquer lugar a dor é a mesma. Não melhora.
   Ele se aproximou e de uma forma voraz e delicada me forçou a levantar.
   -O que estar fazendo?- perguntei furiosa.
   -Tirando você daqui.
   Forçadamente me jogou em seus ombros enquanto eu relutava para me soltar. Eu batia nele. Juro que pude ouvir um risinho sair de sua boca, agora ele também sorri de meu sofrimento? Não bastou tê-lo causado? Chamou um táxi e me levou de volta a sua casa. Totalmente escura. Cadê toda sua família? Onde estavam os seus amigos que ele tanto amava, amigos que ele preferiu ao invés de mim.
   -Aí- pude ouvi-lo gritar atrás de mim.
   -O que houve?- perguntei preocupada, sem intenção.
   -Machuquei minha mão, pode abrir a porta. Disse passando-me a chave.
   -Tudo bem, mas a única pessoa que vai ficar aqui é você.
   Coloquei aquela chave na fechadura e senti meu corpo reagir a aquela situação. Empurrei a porta. As luzes se acenderam do nada. Uma multidão surgiu.
   -Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida!- Um coro cantava e eu não acreditei que aquilo pudesse ser para mim. Então lembrei, hoje é sete de março, meu aniversário.
   -Parabéns meu amor- disse uma voz suave em meu ouvido. Curvei-me para trás, ele estava a sorrir- desculpe pelas palavras de hoje mais cedo, não poderia estragar a surpresa.
   -Você é um idiota- eu disse sentindo um alívio inexplicável- mas ainda assim eu te amo.
   -Fico realmente feliz por isso- ele disse sarcástico, com seu sorriso que fazia um arrepio perpassar todo meu corpo.
   Beijamos-nos e uma multidão nos aplaudia, e finalmente meu coração voltou a bater ritmicamente inteiro.


-Pauta para o Bloínquês, 59ª Edição Visual.
-Pauta para o Créativité, 9ª Edição Gênero-Situação.

16 comentários:

  1. você escreve muito bem... Adoro os seus textos!
    se puder passa lá no meu blog!

    http://jessicahiorrana.blogspot.com/
    bjo!

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  2. Fiquei sabendo que teremos uma nova letrada no mundo acadêmico... Parabéns!!!
    Quanto ao seu texto: adorei a narrativa, deveras existencialista e lindamente ritmada em um compasso inquietante. Sabe Jéssica, somos seres musicais e regidos pelo tic-tac tomborilado dos corações! Siga sua essência musical no palpitar das plavras, pois, pelo que vi aqui, tu as conhece muito bem.
    Obs: Cheguei até aqui através do blog da Cissa... Fique de olho nos textos dela e os incorpore ao seu universo, pois ela apreseta uma maturidade na escrita que contagia e faz bem a saúde de todo amante das palavras. Pelo visto tu aceitaste o desafio drummoniano:
    "Palavras, palavras... Se me desafias, aceito o desafio..." (C.Drummond de Andrade).
    Um abraço e foi um prazer te ler em um domingo pela manhã, me fez muito bem!!!
    http://cronutopia.blogspot.com/

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  3. Perdão em ter confundido seu nome, Jayne. Acontece. Mas foi um prazer!!!
    http://cronutopia.blogspot.com/

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  4. Você escreve bem. Foi um prazer avaliá-lo.

    Laysa Boeing, avaliadora do Projeto Créativité.

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  5. Parabéns pela participação minha amiga!

    É sempre melhor uma surpresa do que uma tristeza!

    Abraços renovados!

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  6. Parabens gostei muito de seu blog, ja sou seguidor, gosto muito de ler, no meu blog, na lista de blog, tem um também bem regionalista... se vc gostar visiti-o.

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  7. Ultimamente tenho presenciado aqui textos doces, tênues. Sabe, quando o sentimento que predomina em sua escrita é a tristeza, ela vem forte, como um vendaval furioso. E quando esse sentimento é a alegria, ela vem nas mesmas proporções devastadoras. A sua escrita é assim, intensa, e que explora as emoções de forma vivaz e vigorosa.
    Sobre o texto anterior, ele está uma graça, meigo ao seu modo, e intenso, como todos os seus textos são.

    Beijo grande Jay.

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  8. Ótimo :)
    Ah, Jay, que texto bom. As palavras foram ousadas e, na verdade, muito bem organizadas. No começo pensei que fosse acabar em confusão, mas me enganei ao perceber que se tratava de uma surpresa para a Joana.
    Que romântico ser aplaudida beijando em público! rsrs

    Está lindo, muito bom mesmo.

    Com amor,
    Cynthia ;*

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  9. Ah, o banner... Bom, está lindo, jaynne. Amei.
    Beijo!

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  10. Jay, este texto está bem diferente de todos os outros que você escreve, pelo menos senti isso. Mas, mesmo assim pude sentir aquele "silêncio de um grito". Aquela perspectiva, ânsia e emoções devassadoras. E sobre o texto anterior, achei muitíssimo meigo. Intenso, aquela sensação nostálgico e sentimentos que sempre são expostos por aqui, sabe?
    É incrível como você usa essas palavras.
    Ahh, mudou o visual, não foi? Gostei.

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  11. Nossa, que surpresa no final. Gostei bastante, surpreendeu. É boa essa sensação rs Mas no começo você soube descrever bem todo o sofrimento da personagem, bem forte e profundo, como nos outros texto que eu já li aqui.
    Parabéns :D E boa sorte nas edições.
    Bgs :*

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  12. Oi Jaynne! Que que vc gostou da dedicatória!
    Eu ia te dedicar de qualquer forma, só queria te dizer isso, pela consideração e pela presença, já seria motivo suficiente, como se não bastasse teu trabalho.
    Quanto ao post, adorei o conto, mas a frase: "..você é um idiota,... mas eu te amo".
    Puxa! Resume todas as inquietações! E como nós mulheres dizemos ou pensamos nessa expressão?
    Ah! Adorei que meu amigo Dilso está te seguindo, ele já é formado em Letras e tem ótimas dicas sempre, creio que vc estreitando laços com ele, lendo o blog dele, etc... vai ser muito bom para ti!
    Abraçãoooo
    Humoremconto
    http://anaceciliaromeu.blogspot.com

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  13. Como eu disse à você, não são perceptíveis, mas seria bom deixá-lo certinhos. Exemplo:
    Em "Jogada ao relento, á sua espera que nunca chega." Não seria "à" sua espera?
    E na parte "De quão machucada já estou" deveria haver um ponto final aí.

    Bom, o segundo erro é muitíssimo comum acontecer. Eu mesma faço-o à todo instante. Mas gosto muito quando alguém me avisa sobre eles, pois nada é propositalmente neste caso.

    Espero que não se chateie, por favor. Beijos e uma ótima semana!

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  14. Oh, Jay, que bom! Eu quem agradeço pela compreensão, viu?

    Beijinhos ;*

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  15. Quando o desfecho é assim qualquer mal entendido pode ser desfeito. :D

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  16. ESSA É DAS TÍPICAS SURPRESAS EM QUE FICAMOS SEM SABER O QUE FAZER, DE TANTA EMOÇÃO! FOI BOM DEMAIS LER-TE! É SEMPRE UMA SURPRESA...

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