sábado, 12 de março de 2011

Fogão de Lenha

Querida mamãe,

Liguei ontem para seu celular inúmeras vezes até cair na caixa, queria te dar a notícia que te deixaria imensamente feliz. Eu fiquei horas imaginando seu rostinho de felicidade, seu sorriso que já formavam as indesejadas rugas.  Imaginei suas lágrimas de felicidade a cair juntamente com as minhas, que já começaram de hoje. Fiquei imaginando como seria forte nosso abraço de reencontro, depois de tantos anos. Cheguei a sentir o cheiro do velho fogão de lenha. Esse que mesmo depois de anos, a senhora não consegue abrir mão.
Pois é mamãe, deixei para te fazer uma surpresa, já que seu celular estava desligado ou fora de área. Agora me arrependo amargamente de não ter tentado outras inúmeras vezes. Estou do outro lado do mundo. Meu dia é sua noite, minha noite é seu dia. Mas meu coração ainda possui aquele cordão umbilical com o seu.  
Acordei tão feliz hoje, mal conseguia respirar quando pensava em te ver depois desses quatro anos de distância. Sabe mamãe, ela às vezes assusta. E por falar em falta de ar, perdi o meu por alguns minutos. Dessa vez não foi de saudade, quisera eu que fosse, estaria prestes a acabar com ela. Eu estaria sentindo aquele seu abraço agora. Talvez eu não o sinta mais.
Estava saindo de casa, à caminho do aeroporto, sorriso estampado no rosto foi se encolhendo aos poucos quando a terra tremeu embaixo de meus pés. De início achei ser mais um terremoto comum, logo iria passar e eu continuaria andando. Andando em sua direção, ao seu encontro. Mas ele ficou mais forte, parecia que a terra fosse se abrir diante de mim mamãe. E eu chamei por você, mesmo sabendo que a senhora não poderia me socorrer. Imaginei se seu coração não tinha ficado apertado, como nas novelas, pois nesse momento mamãe, uma imensa onda vinha em minha direção, devastadora, cruel. Trazia consigo tudo o que encontrava pela frente, me levaria também mamãe. Corri com todas as forças que eu tive.
Crianças choravam, estavam todos desesperados. Eu pensei em mil coisas enquanto corria. Obriguei-me a me manter correndo, a onda era mais rápida. Ela me pegou com força mamãe. Aquele baque contra mim me fez lembrar por uma última vez antes de apagar o seu rosto. E eu chorava, mas a água não deixava minhas lágrimas visíveis. Quem as veria naquele instante?
Acordei presa nos escombros de algo que eu não sei identificar.  Tudo é muito escuro aqui mamãe, e eu sinto muito medo. Minha bolsa estava grudada em meu braço, a apertei com força na hora do desespero, e ela continuou presa a mim. Eu deveria estar morta agora. Não me pergunte como vim parar aqui e muito menos onde é aqui. Apenas uma brecha de luz onde encosto esses papéis úmidos de meu diário, que por sorte se mantinha naquela caixa de ferro que a senhora me deu, para tentar escrever essas palavras, que espero de coração que não esteja lendo. Isso significaria que eu mesma não pude pronunciá-las. Isso significaria que eu não poderia ter te abraçado.
Minha cabeça gira, minhas pernas doem como se um trator as estivesse esmagado. A respiração é ácida, doe até escrever, mas isso eu faço por que preciso que saiba que era para eu estar aí, ao seu lado. Comendo o feijão do velho fogão de lenha.
Caso esteja lendo essas palavras, sua filha estará agora em um lugar desconhecido por todos nós. Sua filha será considerada mais uma vítima da catástrofe do Japão. Eu serei uma vítima do grito de retorno da natureza, esse que mesmo silencioso causa a dor que agora eu sinto, e que a senhora pode estar sentindo ao ler essas palavras também. Talvez essa seja a hora de cortar o cordão umbilical.
Mas, saiba que sempre senti falta do cheiro de seu feijão, de suas reclamações, de seu sorriso, do cheiro de alfazema que a senhora emanava pela sala, do café quentinho toda tarde, das cantigas que a senhora sempre cantarolava ao fazer o almoço. Sentirei falta do abraço que não pude ter. Por que te amo mamãe, desde quando eu era apenas um serzinho em sua barriga, tão aconchegante.
Se estiver lendo essas palavras, me perdoe pelos netinhos que não pude dar, pelos abraços que não foram concretizados nesses quatro anos, por não ter ficado aí, junto ao fogão de lenha e ao bule de café. Mãe eu estava levando um perfume de alfazema comigo, e agora eu o passo em mim, porque se for pra partir, que seja com o seu cheiro.
Sentirei falta dos pãezinhos de queijo. Te amo muito mamãe, e isso nunca morrerá.

De sua filha querida.


Pauta para o Bloínquês- 34ª Edição Cartas.

Inspirada em: Fogão de Lenha- Pe. fábio de Melo.

Confesso estar entre as lágrimas agora. Não sei você caro leitor, mas só de imaginar em perder minha mãe, faz meu coração inundar-se profundamente em desespero. Digam-me o que acharam da carta, seus gritos sempre ecooam em meu silêncio. Beijos a todos!

16 comentários:

  1. Eu senti a angustia lendo esse texto/carta. Deve ser difícil para as mães estrangeiras/japonesas perderem os filhos nessa catástrofe. Gostei do texto, você expressou sentimentos inimagináveis. Parabéns, poucos conseguem isso.

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  2. Está lindo, Jay.
    Mais uma vez tuas palavras foram muito reais - talvez, neste texto, mais ainda - e eu fico feliz por isso. É interessante a forma como você escreve. Parece que os fatos são reais, e isto dá vida ao texto. A carta está muito boa. Aliás, você não usou aquelas palavras bonitas e elegantes e por sinal complicadas demais, afinal creio eu que a pessoa numa situação dessas não iria ter tempo nem vontade para pensar nisso. As palavras são simplesmente escritas, desajeitadas ou não - isto não importa.
    E, bom, você merece seu prêmio. Boa sorte e ótima semana :D

    Beijos *

    Com amor,
    |Cynthia|

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  3. Mais uma vez as suas palavras conduziram as emoções fortes que se remexiam aqui por dentro. Você tem esse dom, de sentir e fazer sentir. De provocar efeitos intensos no leitor que acompanha os seus traços. Linda carta Jay, realmente emocionante.
    Saiba que adorei o quadro que você deixou para mim lá no meu espaço. ^^

    Um beijo querida. E boa sorte no BLQ.

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  4. Jaynne minha amiga!
    MARAVILHOSO!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    MARAVILHOSO!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    MARAVILHSO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    Olha, o que eu posso te dizer? Pouquíssimas vezes desde que entrei na blogosfera (novembro de 2010), eu não consegui fazer um comentário. Eu simplesmente não tenho mais o que dizer além de MARAVILHOSO! Que texto garota!
    Chorei, sério!
    Tão maravilhoso que a gente fica pensando o que é real ou ficção.
    Puxa!
    Muita, mas muita sorte na tua vida acadêmica. Vai atrás dos professores, mostra teus textos a todos que entendem, que têm estudo, pede opinião, corrige o que for necessário, e escreve muito, todos os dias sobre tudo que te inspirar e até sobre o que não te inspira, porque isso é um grande exercício.
    Participa de concursos, te informa, têm muitos que não valem a pena, mas participa dos sérios, vai atrás.
    Quem sabe em algum tempo, teremos uma escritora lançando seu livro!!! Daí a amiga gaúcha vai ter que fazer uma rifa, ou qualquer coisa para conseguir uns trocadinhos $$$ pra ir no lançamento, já pensou!!!!
    Muita sorte!
    O que precisar, estou no blog ou no meu e-mail no perfil do blog!
    Abração, te espero por lá!!!!
    Humoremconto
    http://anaceciliaromeu.blogspot.co,

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  5. E eu fico ainda pensando em como você consegue despertar tal indecisão em nossos corações e em nossa mente, Jay. Como todo mundo já falou em cima, confesso-lhe que depois da leitura do seu texto, acabo em entrar em uma situação que nem eu mesmo sei o que passa a ser verdade ou não. É incrivél a forma com a qual você escreve e conseque transcrever seus sentimentos. Fico feliz por ter suas visitas e te seguir. Um grande beijo,

    Pedro

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  6. Cordão umbilical este que nunca será rompido. Quando mãe e filha se amam de verdade não distância nem catástofre que esmague este sentimento tão puro e forte É amor infinito, incondicional.

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  7. Teem um selinho para você no meeu blog !
    passa lá para pega-lo. Espero que goste *--* ♥
    http://thayshafer.blogspot.com/search/label/selos

    ThayShafer

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  8. - isso é concorrencia desleal, viu? :~

    seu texto está maravilhoso, repleto de sentimentos e lembranças.
    pude imaginar cada frase dita, isso é incrível.

    apesar de também estar concorrendo, minha torcida vai pra ti. mil beijos ;@

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  9. Vizinha,eu estava indo pegar uma xícara de açúcar na amiga ao lado, quando passei e ví as luzes de sua casa (blog) ...nossa que lindo aqui ...
    Quando tiver um tempinho passe lá em Casa para um café...
    Se resolver se hospedar por lá , preparo minha melhor roupa e também venho para ficar !
    Se precisar de algo é só gritar ,moro entre as montanhas e por lá tem eco.
    Meu nome é Valeria , mas pode gritar KIM ...que é meu apelido!

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  10. Lindo e forte esse texto. Mãe é sempre alguém que mexe muito com a gente...
    Flor, obrigada pelo selo! Fiquei imensamente feliz! :)
    Beijos, fica com Deus!

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  11. Que texto perfeito, essa carta trás uma vontade de chorar no minimo, que história! Eu vi sobre essa edição no Bloínquês e é sobre oque está acontecendo no Japão né? Tudo isso me fez imaginar quantas familias estão se desfazendo, pais morrendo e deixando seus filhos, filhos partindo desse mundo e deixando seus pais que tanto os amavam, irmãos, tias e melhores amigos, que coisa mais triste não é. Essa carta foi um dos melhores texto que já li, as palavras, tudo oque a menina escreveu para a mãe dela é algo tão real. Adorei ler.

    Mudando um pouco de assunto, eu recebi mais um selo hoje e fiquei muito feliz, indiquei ele para você e espero que goste rs' :*

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  12. Amei o texto, ficou muito perfeito,parabéns mesmo pelo blog, que seu sucesso dobre.
    http://garotasnasruas.blogspot.com/

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  13. Lindo, porém triste...
    Num imagino minha vida sem minha mãe...

    Bjs

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  14. Simplesmente emocionante, tocante, profundo, como tudo que você faz!
    Suas palavras como sempre, emanam sentimentos.
    Você consegue descrever os acontecimentos com tanta perfeição e naturalidade que parecem reais. Mas realmente são reais no seu/nosso universo mágico da escrita.

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  15. Carta impecável, com praticamente nenhum erro de ortografia! Escrita leve, gostosa de ler. E triste, por que essa foi a única carta até agora que falou diretamente do Japão. E eu gostei, é ótimo nos colocarmos no lugar deles, por que “eles” podem ser “nós” amanhã. Parabéns Jay, bom final de semana!

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  16. qurida, fui lendo o texto e só aos poucos fui percebendo que os fatos relatados nao eram psicológicos e sim físicos; percebi do que se tratava e pensei tambem em todas aquelas pessoas que nao tem chance de ao menos escrever e dizer que amam... preciso se faz dizer todos os dias, porque o amanha nao se sabe e o presente pode tornar-se em passado repentinamente.... muito forte o seu texto, parabens...

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