quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A Última Chuva;

     Tarde chuvosa. Dentro do carro parado, eles riam, embora os outros motoristas soltassem palavrões com o congestionamento. Ela ria das piadas sem graça dele. Ele sorria do jeito com que ela reagia as piadas. Não tinham nenhuma pressa, apenas conversavam abraçados para se aquecerem do frio. 
     -Qual o seu maior medo?- ele perguntou de repente.
     -Que pergunta é essa?- ela retrucou sorrindo.
     -Me responde- ele insistiu agora sério.
     -Não sei- ela começou a ficar pensativa- Nunca parei pra pensar nisso. Mas por que se preocupar com isso? Existe alguma coisa de que eu deva temer?- perguntou agora ainda mais séria.
     Ele nada respondeu, apenas a abraçou mais forte. Ela deixou passar, mas algo dentro dela queria decifrá-lo agora. Ela desejou poder ler seus pensamentos nesse momento. Mas sabia que isso não poderia acontecer.
     - Amo você- ele disse baixinho para ela- muito mesmo.
     Os dois se beijaram apaixonadamente. Ele a abraçava com força, não queria soltá-la. Algo perpassava por suas expressões, algum pensamento despertou medo naquele abraço. Buzinas ensurdecedoras vinham dos carros que estavam atrás. O trânsito já havia descongestionado. Terminaram o beijo, ele imitou a voz do pato Donald dizendo:
     -Ah, que namorada linda essa que eu tenho- ela voltou a sorri de suas piadas, ele da reação dela ao ouvi-las.
     -Põe o cinto- ele disse, agora com a voz normal.
     Enquanto ele dirigia, ela fuçava alguns papéis dentro do lixeiro na porta do carro. Encontrou uma folha de cor meio amarelada. Ele gritou.
     -Coloque-a de volta.
     -Mas por quê?- ela perguntou com uma certa curiosidade.
     -Por favor?- ele implorou.
     Nesse momento uma enorme carreta vinha desgovernada pela chuva buzinando. Foi tudo muito rápido. Um barulho alto como de uma explosão foi ouvido. Ouviram-se gritos.
     Ela acorda confusa. A sala muito clara ofuscava sua visão.
     -Victor! Victor- foi a única pessoa que ela conseguiu chamar.
     -Calma querida!- sua mãe passava a mão por sua testa- está tudo bem.
     -A quanto tempo estou desacordada?
     -A três dias.
     -Cadê o Victor? Eu quero vê-lo- disse tentando levantar-se da cama.
     -Você não pode se lavantar querida, tem que descansar.
     -Ele está bem? Não está mamãe?
     Sua mãe demorou a responder.
     -Mãe?- perguntou aflita.
     A mãe apenas sacudiu a cabeça, e ela já começou a ficar agitada.
     -É mentira, não pode ser! Você está mentindo. Porque mente pra mim mamãe? Vou procurá-lo, eu vou atrás dele. Me solta mamãe.
     -Enfermeira!- Sua mãe gritou.
     -Não mamãe, não me faça dormir de novo, por favor- sua mãe se segurava pra não chorar na frente dela. Tinha que ser forte.
     -Querida, ele morreu tentando salvar sua vida. Na hora do acidente, ele virou o carro para que a carreta choca-se apenas do lado dele. Ele a amava.
     A garota agora soluçava de tanto chorar, sacudia a cabeça sem querer acreditar naquelas palavras que ouvia sua mãe dizer.
     -Não é justo, a minha vida pela dele? Não é justo. 
     -Essa folha estava em sua mão na hora do acidente. Parece ter sido arrancada de um diário.
     Ela abriu e leu, a cada palavra, uma nova lágrima.

Hoje sonhei que havia perdido você, e esse foi
o pior pesadelo que eu pude ter.
No sonho você tinha sumido e por mais que eu
á procurasse não conseguia encontrá-la e 
isso me dilacerava por dentro.
A única vontade que eu tinha era de morrer,
de sumir também e aparecer do seu lado.
Porque quando eu não estou com você, 
é como se eu não estivesse comigo.
Não ia conseguir viver num mundo em que seu sorriso
não me preenchesse e seu amor não me completa-se.
Ainda bem que foi só um pesadelo, e hoje
posso te ter comigo e dizer que te amo,
mais do que a minha própria existência.

     Soluçava sem parar ao terminar de ler aquelas palavras. Seria esse um pesadelo também? Não, não era e ela sabia disso.
     -Mãe, pode ir buscar um copo de água pra mim?
     -Claro meu amor.
     Na volta, sua mãe deixou o copo com água cair, junto com a primeira lágrima que ela tanto guardara.
     -Enfermeira! Enfermeira!
     Correu pra cima da filha já fria e pálida. Com todos os aparelhos desligados e o vidro de remédio já seco. Pegou a folha úmida de lágrimas e leu no verso:

  Sinto muito mamãe,
mas não consegui acordar do pesadelo,
e não posso viver sem ele.





Sei que ficou enorme, mas as palavras não gostam de serem controladas. Sei que apenas os apaixonados por elas teram a paciência de lê-las com interesse e intensidade. Agradencendo desde já a todos que por aqui passam e deixam seus gritos ecoando no silêncio.

19 comentários:

  1. Bem, eu fui transportada para a sua história e ela foi trasportada para mim. Sinto como se ainda estivesse dentro dela, e sinto que ela está também dentro de mim, ao mesmo tempo. As suas palavras são assim, elas marcam. E confesso que nem notei a extensão do texto, quando percebi já estava lendo a última linha e desejando ler mais. (Por falar nisso ainda espero a próxima parte do conto passado).
    E o seu texto está como sempre esplêndido, cheio de emoções fortes, impossível não envolver-se.

    Beijo grande. ^^

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  2. retribuindo a visita, nossa, cada t exto lindo *-* . parabéns pelo blog :*

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  3. Nossa, Jaynne. Que emocionante. O mais lindo que vi aqui. Várias destas palavras ainda ecoam na minha mente como "não posso viver sem ele". Tem vezes que o amor fala mais alto. De início percebi sim que o conto estava extenso, mas rapidinho li a parte dita como o bilhete que a garota deixara para a mãe e, percebendo que havia chegado ao fim da história tudo começou a rodopiar dentro de mim, como se a tua história já estivesse a fazer o efeito. Esperei a emoção passar e falei para mim mesmo "Cara, essa menina tem um talento incrível". Pura verdade, Jaynne. Lhe admiro demais e tomara que ganhes nesta edição do projeto, afinal seu texto está impecável.

    Beijos **

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  4. Vou confessar que, odeio ter que ler textos enormes, mas quando os textos são tipo esse, a gente fica com vontade de mais -rs

    Beijos
    http://paulinhasplace.blogspot.com

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  5. Nossa, texto muito bom, semp0re me deparo com surpresas e emoções inesperadas!!
    Muito bom, prbens!

    bjo
    http://essenciaego.blogspot.com/

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  6. Querida ja estou te seguindo!
    Me segue também! :)
    Bjs

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  7. Wow!!!
    Estou sem palavras...
    Belo texto!!!
    Apesar de triste...
    Belo!!!

    Bjs

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  8. Que linda história de amor, triste mas... A atitude dela foi algo que surpreendeu. Muito bom o texto *-*
    Fiquei sem palavraspara comentar RS'

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  9. Pois é. Complicada a situação do meu conto. Mas em breve se desenrola ^^

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  10. - "PUTA MERDA" o que eu disse ao fim dessa história (perdão pelo termo)

    consegui sentir cada emoção, cada palavra, cada expressão... você foi incrível em descrever tamanho sentimento.

    por uns instantes, me lembro 'antes que termine o dia', um ótimo filme...

    BOA SORTE na pauta, flor. :*

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  11. Prontinho, oitava parte postada. Espero que gostes ^^

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  12. Lindo, emocionante e perfeito *O*
    Como você tem jeito com as palavras, um amor incrível *-*

    Sou fã daqui já ^^

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  13. Nossa, querida. A cada palavra as emoções da personagem escorregaram soltas pelo meu corpo. Eu pude sentir-me tão pálida quanto o corpo que dormia eterno no quarto claro. Engoli em seco, como se a agitação dos sentimentos que o seu texto transborda fossem capazes de se materializarem e golpearem a minha face, como quem diz: terminou, tanto a vida da minha quanto o conto.
    Adoro vir aqui, gostei muito, e a extensão tornou-se imperceptível ao lado de tamanha beleza.
    Grande beijo flor!

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  14. Muito lindo, seu blog é maravilhoso.
    Muitos beijos e sucesso.
    http://www.orkut.com.br/Main#AlbumZoom?uid=17378606578272644145&pid=1298587717904&aid=1297588924

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  15. Jaynne, florzinha, tem selinho para ti em meu blog na página "selinhos", bem no finalzinho. Espero que gostes e não esqueça de passar lá para buscá-lo, querida!

    Com amor,
    Cynthia*

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  16. Oh, minha flor, acabei de ler o comentário que deixas-te em meu texto. Fofinha, fico feliz que estejas a gostar do conto, isto é tão gratificante!

    Obrigada (:

    Volte sempre.

    ;*

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  17. Uau, é enorme e lindo.
    Boa sorte no bloínquês, pq o texto está apaixonamente encantador!
    beijos.

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  18. É realmente muito extasiante ler tudo isso e fantasiar todo esse teatro, hehe ! Mas... É difícil acreditar nesse ser humano egoísta do nosso mundo. É utopia pensar que existem pessoas que prefere a vida do outro à própria vida. Ainda mais hoje em dia.. Pai matando filho, filho matando pai, Pai estuprando filhas.. enfim..

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