quinta-feira, 12 de julho de 2012

A Perda



     Nos olhos algo ainda indecifrável, a cada vez que ela subia o rosto para deixar o orvalho da noite tocá-la. Mas a cabeça quase sempre estava baixa. Sentia um peso sobre os ombros, pernas, braços, pescoço, garganta... Sentia o fardo da inocência vista por muitos, mas que ela condenava como profana e cruel.
     As mãos quentes continuavam lá, a tocá-la, a cuidar, e a proteger... Do masoquismo ácido e doentio. Foi o que ficou, só o que restou... A chama forte que inflama olhos, garganta, estômago e a culpa. A culpa, essa que é a personagem principal de toda dor e desespero.
     A culpa que escorre por dois pares de olhos queimando a falta, a perda. Ela se afogava na própria angústia e ele sempre lá, mergulhando para salvá-la a cada afogamento que ela tinha em si mesma.  Ele sabia que das duas almas inocente, a que mais sofria era a mais digna de consolo do que a que partira sem o primeiro suspiro de vida.
     Mas a ela isso não justificava, sentia-se responsável e agora, sente-se incapaz. A pequena que ela aguardava se foi, como o vento a dissipar pequenos grãos de areia. E ela não pode segurá-la e protegê-la, como deveria. E ele, que também sofria pela perda da pequenina, sofre também pela ausência e dor que a quase mãe agarrou sozinha, como se fosse um castigo, uma punição.
     E era o quase que incomodava a ela... Essa partícula, palavra esmagadora. Ela queria era ser, não quase ser. Ela queria sentir o pequeno corpinho quente que carregou por oito meses dentro de si, que contou historinhas, que acariciou, que ouviu o papai cantando pertinho... E hoje, tudo isso não passou de um quase, e ela se afoga nele como se isso fosse aliviar sua dor.


-Para não perder a vontade de escrever um pouco mais... 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Coisa


     Chame essa coisa, sim, ela mesma! Chame algo que me empurre ou que me salve, no drama doce e sólido dessa indecisão sobre ser gente. Chame essa coisa sem nome, sem sobrenome. Essa coisa de identidade desconhecida, de chama quente e gélida. Chame essa contradição tão cheia de certeza. Foi essa coragem que o meu medo me trouxe e que me levou à fatalidade de ser gente.
     Traz depressa, essa pluma esvoaçante lá do alto. Chama esse negócio misterioso que o meu peito invade e neutraliza. Pega a parte sólida dessa coisa e a traga mais pra perto, quero preencher esse vazio alojado aqui por dentro.  Eu tenho urgência de sentir, de senti-la, de tocar...
     Quero rasgar esses soluços interrompidos, rasgar papéis já sem sentido, morrer de novo e nascer sem mais feridas.  Não quero mais andar descalça por ruas vazias, observar matrizes já se esvaindo, ainda que eu queira, é preciso mudar a tinta. Esse opaco todo já me desgasta, esta funerária interna que é tão sombria, foi só avesso que se exacerba.
     É um apelo, e é tão sincero...
     Traz essa coisa que eu tanto quero; razão de rosas perfumadas pelos cantos. Sobrevivência nesse pântano indiscreto, de vultos soltos espalhados, de faces molhadas por tanto pranto. Chama esse negócio desconhecido de uma vez, que ele venha e traga um pouco de felicidade, porque viver com um vazio é só viver pela metade.