sexta-feira, 29 de julho de 2011

Caos

Desamparados debaixo de qualquer telhado;
De um teto incerto, já desabado.
                                                                                          -Queda insana.
Vento límpido a espalhar poeira;
Furacão inseguro a juntar à areia.
                                                                                    - Vestígios.
Olhos assustados a empurrarem;
Olhos pecaminosos a si esconderem.
[Desiludido és tu, oh medo] 

A terra molhada de lágrimas está tremendo.
Terremoto dele. Terremoto dela.
São dois. São um. São nada. [Tudo]

Unhas perfurando. Lábios maldizendo.
                                                                             - Caos.
Coração chorando. Corpo morrendo.
                                                                             - Caos.
Morte se arrastando. Alma envelhecendo.
                                                                             - Caos.

Ela é subsídio inconstante.
                        [Ele talvez]
Ela é o medo incessante.
                         [Ele, eu sei]
Lábios a gritarem os destroços.
Lábios a beijarem o ódio.
[E o amor escasso se refez]

Ele é desilusão arremessada.
                            [Ela talvez]
Ele é as partes desenfreadas.
                       [Ela, eu não sei]

Terra estremecendo, teto desabando.
                                                                             - Caos.
Eles se perdendo, amor se encontrando.
                                                                              - Caos.

sábado, 23 de julho de 2011

Eu estava só

   Eu estava só, isso permanecia desde uns três anos atrás, quando eu escrevia no livro de minha vida os traumas que me perseguem até hoje. Eu estava só e a solidão já me era uma parte íntima e inseparável. Sozinha eu sou o meu eu destroçado, mas também, a minha contínua reconstrução.
   Sentada no velho banco de uma rua qualquer, o vento forte e gélido a perpassa por meu corpo antes tépido; vazio de si. Eu ainda continuava as minhas lamúrias já tão compreensivas e dadas por finalizadas. Não, eu não desisti, eu só me perdi dentro de escolhas que nunca fiz, dos caminhos que nunca andei, do medo que ainda persiste completo de aceitações desenfreadas.
   Eu estava só, e nada que eu fizesse mudaria isso, porque sozinha eu nada enxergo. Cega diante de meus próprios passos solipsos eu me levava por ruas que eu nunca sei o nome. Cega de mim mesma eu mal sabia onde estava, porque estava e se ali eu permaneceria. Mas, eu ainda estava só e isso, bem, isso já me parecia uma determinante completa de vazio permanente.
   Eu estava só e foi assim que ele me encontrou. Não, ele não é meu príncipe encantado, muito menos o homem perfeito. Ele é o homem que quando me viu triste me abraçou, quando me viu errada questionou, quando me viu torta me moldou. Ele é o homem que quando eu estava com medo me disse que o mundo é cruel, mas que ele estaria ali me mostrando que a crueldade mesmo nos atingindo estaríamos juntos para defender um ao outro.
   Ele é o homem que quando eu bati o pé ele brigou, mas quando entristeci se arrependeu e quando ele se arrependeu eu me arrependi. Ele é a pessoa que quase desistindo permaneceu; quase ficando partiu, mas que de saudade voltou. Ele me provou com atos o que as palavras faladas muitas vezes não cumpriram. E me provou também que o vazio é apenas uma determinante com tempo suficiente para aprender que sozinha eu me ajeito como eu, mas sou incompleta como nós.
   Eu estava só, mas ele chegou e como homem me mostrou que existe amor entre humanos que erram e esse, bem, esse também tem seus finais felizes. Mas o durante... O durante é de uma felicidade mútua e de uma abnegação individual. Príncipes não existem, mas homens de verdade, com integridade, mesmo que raros, são reais.
   Eu estava só, mas ele chegou.


Pessoas lindas, quero agradecer a todos vocês pelo carinho e pelas palavras aqui gritantes, mesmo com essa minha ausência involuntária. É de forma incansável que digo que vocês são muito importante para minha satisfação plena nesse exercício formidável que me é a escrita. E, mais uma vez, mil desculpas por toda essa minha vida corrida não me deixar tempo suficiente para dar conta do recado. Agradecendo desde já cada grito silencioso. Abreijos no coração de cada um!

domingo, 17 de julho de 2011

A menina


   A menina sorria das coisas mais simples e cantava como se o mundo desmoronasse e se erguesse ao mesmo tempo. Trazia consigo um brilho inexplicável, um sentimento inexorável. E junto às flores se fazia mais parecida com ela mesma.
   Dentro do peito um coração a sangrar, na face um sorriso ainda a encantar. Na pele a mesma dança dócil a doar-se aos outros. No âmago de seus medos as lágrimas inflamáveis de cada ferida aberta. São tantas, que antes mesmo de conseguir cicatrizar uma, a menina já se vê com outra ardendo, queimando dolorosamente.
   A quem ela poderia culpar? Seus sorrisos enganavam a todos, por vezes a ela mesma. E seguia, sempre seguiu assim, um passo trêmulo disfarçado, outro forte e corajoso a dissimular. Olhos molhados no escuro; olhos compreensíveis no claro. Ninguém a conhecia por completo, mas, a quem ela poderia culpar? Se depois de machucada ela ainda se fingia inteira?
   Sempre tocou uma melodia doce, mesmo que sua voz por dentro gritasse o ácido nela depositado. A menina dos olhos meigos sentia-se só frequentemente, mesmo que a multidão a cercasse num aperto simultâneo, o aperto de dentro era mais forte e sufocante. A menina dos olhos meigos chorava por dentro as lágrimas que por fora não saíam.
   E ela mentia pra si mesma toda vez que dizia estar bem. Mentia quando dizia que não tem problema e que vai passar. Não estar e nunca esteve tudo bem com ela; e tem problema sim se você a machucar, ela é gente e ela tem um coração que sente dor quando machucado; e não vai passar enquanto ela continuar a mentir pra si mesma.
   A menina sofre porque como menina é frágil e como mulher é ainda menina. 


domingo, 10 de julho de 2011

Jarros quebrados


Cortes internos irrefreáveis.
Desilusão buscando morte.
Castigado és tu, oh medo.
Bagunça em lares, desordem.

Cordas enlaçadas, fogo e sorte.
Os espinhos não mais comovem.

Rosas, brasas e corrosão.
Súbita fragilidade afogada.
O âmago penetrado pela mão
Ousada, suja, recusada.

Sangue escorrendo das mãos.
Quem vai limpar esse chão?

Fumaça de olhos secos.
Corpo pesado de olhos molhados.
Restos de lástimas e de tanto enredo.
Está vazio cada frasco.

E quem vai curar essas mortes?
Os jarros quebrados não sofrem...

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Era tudo o que ela tinha


   Numa casa vazia. Início de manhã, janela fechada, cortinas escuras. Meias largadas, uma cama com muito espaço, travesseiro no chão. O frio era invasor de corpo a tremer, de alma a soluçar. Um guarda-roupa metade vazio. Um chuveiro quebrado, porta-retratos de cabeça para baixo. Uma porta fechada sem ninguém para abrir. Era tudo o que ela tinha.
   Pés descalços desciam as escadas, os únicos a ali deixarem pegadas. Na mesa, duas cadeiras; numa ela sentava, na outra a lembrança se acomodava. Duas xícaras; numa o café caía forte, na outra se despejavam lágrimas. O barulho das gotas insistentes no telhado, o chiar do velho rádio, cada canto da cozinha a invadir a mente e os fantasmas de um passado ainda presente. Era tudo o que ela tinha.
   Olhos inchados a encarar a imensidão da sala; não era tão grande antes. Mãos cruzadas, ela abraçava a si mesma. No estômago o café amargo se mistura a sensação de medo, de dor, angústia. A televisão ligada a preencher com sons vagos o ambiente fúnebre. Dois sofás invadidos de choros e cobertores. Um tapete para se contorcer, descarregar, gritar. Era tudo o que ela tinha.
   Noite escura, céu sem estrelas, lua escondida. Espelho rachado, perfumes quebrados, alma defasada, corpo marcado. Lágrimas incansáveis, soluços intermináveis, medo a corroer. Flores murchas, despetaladas, flores jogadas sobre o enterro de si mesmas. Insônias, gritos ecoando no silêncio. Cartas rasgadas, queimadas, guardadas. Era tudo o que ela tinha, depois que ele a deixou.