sábado, 30 de abril de 2011

Ele




   Seus olhos são pretos e ele me vê. Na rua, na sua, no galpão. São frios, fios de solidão, mas entram e cercam os meus tão castanhos.
   Suas mãos são quentes e firmam-se em meus braços. Toca de leve minha pele tão fria. Aperta, acalma, enlouquece em fúria. Suas mãos causam uma ponte entre o ácido e o doce. Aquece o corpo, congela o coração, seduz a alma.
   Sua boca é sedutora. Pronuncia, induze. Sua boca fala e ela me chama. Suas palavras me chegam  como gotas de chuva a preencher o chão. Um chão solitário. E sua boca me acalma.
   Seu abraço é fogo. Aquece carinhoso e queima ardente. Envolve. Protege-me de meus anseios e loucuras.
   O seu todo ilude, golpeia. Carrega-me e devolve-me a todo instante. Ele me olha, me toca, me beija e me abraça. Ele me esquece, provoca meus maiores vazios e depois os completa. Ele é contradição, eu sou metade.

sábado, 23 de abril de 2011

Ketherine


   Ketherine mantinha os olhos fixos no espaço em que estaria em alguns minutos.  Sentia-se nervosa como na primeira vez, mas não chorava mais depois de cada noite de dissimulações corporais. Ouvia o som das vozes a chamarem seu nome, ela as atenderia em breve. Sensualmente levantou uma de suas pernas e a apoiou na cadeira de madeira de seu ‘camarim’. Colocou a cinta-liga preta de forma mais delicada do que o preciso. Talvez ela ainda fosse.
   Equilibrando-se sedutoramente nos saltos finos, abriu totalmente a porta para o show de erotismo que ali, naquele velho palco de todas as noites, ela daria. E Ketherine enroscou-se no pole dance como se ele pudesse salvar a sua vida. Não a salvaria. E ela envolve-se na música instigante e envolve também todos os olhares desejosos que ali se mantinham em seu corpo de curvas tênues.
   Morde os lábios vermelhos para provocar, seduzir, enlouquecer. Gira, dança, erotiza. Desabotoa o vestido vermelho. Queria mesmo era poder deixá-lo em seu corpo, mas ninguém a pagaria por isso. Antes sonhava que alguém a tiraria desse lugar imundo e a levaria para uma vida tranquila. Alguém que a desse um lar. Mas, descobriu que aquilo não passava de uma fantasia utópica. Contos de fadas não existem.
   E o tecido é largado ao chão como que se não precisasse exercer mais nenhuma função. Não precisava mais cobrir um corpo, esse agora estava visível com tiras que atiçavam ainda mais o desejo dos alheios que ali vibravam com o produto, a mercadoria. Mãos a tocavam, ela sentia repulsa, mas precisava sorrir e agradecer pelos pensamentos maldosos que pagavam suas contas ao fim do mês.
   Terminado o espetáculo da sedução, ela veste-se. Não é o vestido vermelho que volta ao seu corpo, mas outro, tão delicado que ela nem parece ser a mesma que no palco provoca sensações de desejo nos homens. Coloca seu casaco de florzinhas rosa e saí pela noite, ruas quase vazias. Ouve uma piadinha aqui, um insulto ali.
   À sua frente, um casal dança romanticamente sob a luz da lua cheia. Ketherine chora depois de anos. Queria ser aquela garota, que envolvida nos braços de seu amado, bailava delicadamente. Ela não precisava atiçar o desejo, apenas existir para preencher o coração do homem que a protege extintamente. Ketherine chega ao velho apartamento, joga-se na cama e chora. Amanhã voltará para o palco de sua vida, o palco da sedução solipsa.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Srtª Verso e Sr. Poema

   Meu querido Poema. Leia-me.
   Inicialmente conjugo-me em verbo e anuncio que isso não é uma carta, é o sentir de uma senhorita Verso que ainda não esqueceu suas estrofes que a acariciavam toda madrugada. E eu sei que é exatamente isso que o faz Poema triste. É essa minha falta de palavras que me faz Verso somente. Mas meu bem, elas me fogem às vezes.
   As minhas simples palavras de Verso ainda não conseguiram compreender esse espaço que se deu entre nossos caracteres que antes pareciam completar-se tão bem. Sempre fui Versos de você, meu tão sólido Poema. Hoje sou Verso solto e minhas vírgulas carregam solidão e eu fujo de um ponto final, insistindo em ser Verso pela metade, mas nesse triste papel eu já sou. Falta-me você, que é meu todo. Sei que me queria como Poesia, mais madura, talvez mais cheia de palavras.
   Ainda não aprendi a ser Poesia, as mãos de um poeta ainda não me adotaram como tal. Como eu disse, as palavras se acomodam em serem tão prolixas e você gostava delas assim antes. Faço-me pergunta e questiono o que há de errado em ser Verso. Por que não podemos começar tudo de novo? E se fôssemos Poesia juntos? Levo-me como Versos que sou e você chega-me como rima e me prende como um imã, numa serenata constante.
   Faço-me adjetivo depois de tanta interrogação e afirmo, sou teu Verso e tu és meu Poema abrigo. E um Verso no relento não é um Verso bonito. E com poucas palavras te peço: Encontra e aceita esse teu Verso perdido.

No escuro da noite me desfaço,
Mas minhas estrofes são feitas de aço.
Procuro-te entre o papel disperso,
E faço de ti só minha.
Tu és meu verso.

Pauta para o Bloínquês-Edição Musical. 
Confesso-me como verso, manso, simples. Mas tenho momentos de muito poema, tempestivo, sagaz. Ás vezes fico num meio termo chamado poesia. Um abraço em todos vocês meus queridos, que nunca me abandonam. Obrigada pelo carinho e me desculpem pela demora de comentar nos blog´s de vocês, mas sempre que eu tiver um tempinho estarei invadindo o vossos cantinhos cheios de talento. Beijos à todos.

domingo, 17 de abril de 2011

Desencontro

As mãos pálidas e frias,
Pequena parte de um corpo.
Toque tímido na mão do outro,
Que se mantinha quente e corado.
Dedos tão juntos, mas tão separados.


Visão sobre chão pós-tempestade.
Pensamentos em palavras engasgadas,
Presas no medo pelo sentimento alheio.
Dissimulações e simulados.
Personagens de um filme sem roteiro.

Os passos eram lentos.
O coração acelerado na angústia,
De uma dicotomia do que antes foi um.
Desencontro do que antes foi,
Uma canção cantada a dois.

Pauta para o Bloínques- 34ª Edição Poemas.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Destroços de um coração em (re)construção


Meus passos eram lentos. E permaneciam nessa velocidade retardada porque eu não sabia ao certo se deveria continuar andando. Ele havia ficado para trás e eu não conseguia olhá-lo e ver sua reação depois de minhas palavras tão frias, mas tão sinceras. E eu mantinha meus pés em movimento, aos poucos eles me levavam para mais longe.
-Espere- ele gritou com uma voz que saiu um tanto falha.
Paralisei-me no mesmo lugar, no mesmo instante. As mãos suavam. Não ousei em virar-me. Alguns breves segundos se seguiram naquela cena que eu nem posso descrever direito. O que posso dizer é que meu coração sofreu reações estranhas naquele momento. Ele confundiu-se em três sentimentos distintos: Medo, amor, dúvidas. Sei, meu coração carrega contradições de um passado que vive ainda presente. O homem ali na minha frente em nada era culpado, mais eu também não podia deixá-lo sujeito as minhas deficiências.
Segurou com força por detrás de meu braço. Parecia ainda não compreender todas as palavras que eu havia despejado em seus ouvidos minutos antes. Obrigou-me a virar-me. Meus olhos tímidos fitavam o chão, eu não suportaria ver sua expressão de dor, mas eu já a sentia dilacerar-me por dentro.
-Porque não esquece seu passado?- ele sugeriu quase implorando- porque não me deixa te amar? Porque não tenta fazer o mesmo? Deixa-me te fazer esquecer ele? Porque não tentar?
-Porque eu posso ser muito mais que isso- eu disse encarando-o nos olhos agora- Porque eu quero ser pra você mais que os destroços do que um dia eu fui. Porque eu quero ser pra você o que eu realmente sou de melhor. Não me queira desfeita, ninguém vive de pedaços e é o que sou agora, restos. Eu não tento, porque eu quero ser pra você mais do que uma simples tentativa. Eu quero ser pra você a conclusão, o que deu certo. Quero ser suas razões, mesmo insanas. Mas pra ser razão é necessário ser emoção primeiro, nenhum amor vive de lógica. Eu quero ser pra você tudo o que você pode ser pra mim, porque você é inteiro, mas eu não.
Por alguns segundos nossos olhos trocaram carícias e compreensões. E as mãos deles que antes apertavam meu braço, foram deslizando para minhas costas, num abraço de amor em construção, de coração em reconstrução. Uma lágrima escorreu lenta por sobre minha face. No fundo meu coração o queria mais que tudo, mas um coração em pedaços não pode ser entregue, como quem entrega pedaços do que um dia foi um jarro de cristal.
- Sou um bom pedreiro sabia- ele disse sorrindo e me surpreendendo- vou reconstruir seu coração, e assim você irá me entregá-lo e eu jamais o deixarei ter os alicerces destruídos. E aí você vai ser pra mim tudo o que eu já sou pra você.

Pauta para o Bloínquês- 64ª Edição Musical.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Monólogo bipolar;


Meu nada querido Eu...

Escrevo-te para te pedir um favor, sei que você não gosta quando te pedem favores, mas tente cumprir esse em prol da nossa boa convivência. Sei que você é impaciente, então tentarei ser breve. A questão é que você, juntamente comigo, está fazendo uma bipolaridade confusa nesse nosso subjetivo.
Sim, não vou jogar toda a culpa em você e, por favor, não comece a me chamar de doce vencido. Sei que você me acha muito boazinha e que isso te incomoda, mas nem tudo é resolvido com palavras grossas e agressivas. Sei, às vezes é necessário, mas isso é você quem resolve.
Por favor, quando eu pedir calma, tente respirar antes de sair derramando um balde de água quente no outro indivíduo à nossa frente, por mais irritante que ele seja. Não é sempre que você deve tomar posse desse nosso corpo. E, por favor, deixe de ser tão egoísta, o mundo não gira só em torno de você.
E quanto à sua carta que recebi na semana passada, fique tranquila, vou tentar não chorar calada quando despejarem insultos à nossa pessoa, mas caso eu não consiga, por favor, assuma essa responsabilidade. Você também parece adormecer nas horas que mais preciso de ti.
E sim, eu gosto de ser assim, carinhosa, compreensiva e calma. Mas, eu ainda me pergunto como você consegue ser tão agitada, expressiva e agressiva. Não, eu não estou reclamando. Isso nos salva às vezes.
E antes que eu me esqueça, pare de ficar enviando mensagens no seu horário noturno de assumir, sou eu quem vai ter que arcar com elas durante o dia e você sabe que eu não sou assim tão cara-de-pau como você. E apesar dos pesares, sim, eu não consigo me imaginar sem a sua metade. Você é o lado B mais cheio de defeitos que um lado A pode ter, mas mesmo assim, dependo de você.

De seu nada querido eu.

Pauta para o Bloínquês- 38ª Edição Cartas.

domingo, 10 de abril de 2011

Moça,


Tens um perfume doce. Mãos com luvas de renda. Olhos que brilham com o sol.
Veste-se com delicadeza. Sapatinhos com fita de cetim no pé, bailando sobre o verde campo.
Ao som do canto dos passarinhos, colhe as flores. Cantarolando algo que meus ouvidos de servo não puderam distinguir.
Mas moça, quando você vai embora, leva-me o coração. E como só ele eu posso dar-te, peço-te que cuide dele como cuida das flores.

De um ninguém que mantém os olhos em você.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Personalidade de dois gumes


   Era noite. Meus ouvidos eram penetrados pelo som das últimas gotas de chuva que se chocavam sobre o ponto final. Sobre o telhado de uma velha casa abandonada. Dentro dela, parte de um coração pulsante bombeava um sangue egoísta, por veias torpes. Aquilo, eu já sabia, era sinal de que tudo estava saindo completamente do jeito que eu havia profetizado. E era isso que assustava a outra metade de um coração vitimado. Um outro lado que foi sequestrado pelo próprio corpo.  Uma singularidade no plural, uma subjetividade subjacente a outra.
   E não era isso que me deixava preso em um cárcere que eu mesmo criei. Não, isso não me causava a dor. O que me causava a displicência de ter uma vida, era que além de não ter muito controle sobre ela, não tinha também sobre outra vida, a qual me causava o sofrimento por está-la proporcionando em bandeja a quem eu menos queria.
   Aqueles lençóis. Não, eles não me diziam muita coisa. Pelo menos não naquele segundo de subjetividade infortuna. Quem é ela? Não a conheço, sinto repulsa. Parte de um coração parado silenciava os gritos da outra parte que insistia em sequestrar o próprio sequestrador iníquo. Sou assim.  Processo constante entre vítima e criminoso. A boca que fala não é a mesma de ontem, o ouvido que absorveu ontem palavras doces de declarações eternas, hoje não se lembra mais do que foi pronunciado há algumas horas. Num meio termo, lembro-me de quem sou e como sou, mas não sou só um.
   Eu a avisei desse abismo ao qual eu me equilibrava sobre uma corda fina, de dois lados distintos, de meio termo sensato. Foi num momento de lucidez. Eu sabia que ele seria breve, sabia que logo mais eu penderia para um lado da corda e que nem sempre esse lado seria o de um coração vitimado. Eu havia dito a ela: “Prazer, eu sou um cara cheio de defeitos.”
   Acho que ela não levou a sério. Pois, num único momento de lucidez eu agi da forma mais insensata possível. Nem em meus maiores ataques de loucura eu cometi tamanho absurdo. Mais fui hipnotizado por olhos que cativam, sorrisos meigos e flores no cabelo. Fui convencido a aceitar um convite de tortura a dois.  E naquela noite eu me preparava para o fim daquele show de angústias. Eu imaginava o que acontecia com ela quando chegava em casa e se trancava no quarto depois de eu tê-la recusado, de ter gritado para ela, de ter rasgado o convite que no outro dia eu iria colar, com uma cola fraca. Não posso remetê-la a esse espetáculo de mal-me-quer e bem-me-quer. As flores, por mais perfume que possuam não aguentariam tanto arrancar de pétalas. Dessa forma talvez eu a deixasse sem essência para sempre.
   Mas o que aconteceria se meu lado bondoso se manifestasse na hora da despedida? O que aconteceria se num único momento útil, meu lado iníquo se fizesse vítima? E se os olhos que me cativaram olhassem para mim com o mesmo brilho daquele dia? Como seria se, na hora do adeus, ela chorasse?
   Um cara como eu, com uma personalidade de dois gumes, não se pode permitir que uma delas se apaixone, pois a outra sentirá uma emoção oposta, destrutiva. Aquela doce menina precisava de um corpo que carregasse um subjetivo que a amasse e não de um corpo que com duas subjetividades- uma que a ama e outra que a despreza- nunca se fará totalmente seu. Assim como ela nunca se faria minha nesse teatro de romance negro, que de um lado ama e do outro esquece.

Pauta para o Bloínquês- Edições Musical e Conto-história.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Linhas temporais

Aqui está ele comigo
Eternizado em distintos capítulos
Correndo, parado, perdido.

Consumindo-me os dias.
Estranha forma de pertencer
A essas linhas temporais
Em melodia que me faz adormecer.

Ele parado me consome
Acelerado me carrega
Perdido desperdiça
Um não ato de entrega.

Leva-me amores,
Traz-me dores e,
As curam; atrevido!
Intrépido e destemido.

Autoridade sobre corpos
Responsabilidade sobre subjetivos
Pai do mundo, subjacente.
Estás em cada um escondido.

Várias faces inclinadas
Sobre medos camuflados
De um futuro desolado
Que só pelo tempo é revelado.

Pauta para o Bloínquês- 33ª Edição Poemas.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

O herói


Esquivou-se, respirou e acelerou-se;
Olhos mantinham-se presos,
Havia sido aquele o primeiro ato
(In)docemente arriscado ao indefeso.

Destemido, sagaz e uniformizado
Passos rápidos, últimos segundos
Características sólidas, corajosas.
Mãos firmes sobre os necessitados do mundo.

Necessitavam de olhos atentos
De um coração bom e solidário
De mãos firmes, de coragem
 E eis que uma mão estendeu-se para ajudá-los.

Indócil era o momento, mais não os olhos
Crianças choravam na ciranda de fogo
Jatos de água, arriscavam suas vidas
É assim o coração de um bombeiro, corajoso.

Pauta para o Bloínquês- 32ª Edição Poemas.