terça-feira, 29 de março de 2011

Dissimulação

Lábios curvavam-se em busca
Por um sorriso que camufla
A dor, o medo e o abstrato.

Olhos atentos observavam
Os passos lentos do alheio
Que ali exigia alegria disfarçada.

Sentia um nó na garganta
Presa numa jaula
Aquela na qual não podia
Nem seria libertada.

Mãos rápidas seguiam
Em direção aos olhos
Que desatentos ao local
Deixaram escapar um líquido
Quente e salgado
Por dentro tão sólido.

Seria assim por um tempo
E doeria permanecer
E seria forte sem querer
As lágrimas escorregariam
As mãos delicadas as tirariam
Até o dia dela esquecer.



segunda-feira, 28 de março de 2011

Fred




Fred conhece todos os meus defeitos. E, tenho para mim que quando uma pessoa conhece nossos defeitos, ela realmente sabe tudo sobre a gente. Não só nos conhece como nos reconhece também. Em meio a uma multidão, lá está Fred acenando e gritando meu nome.
Fred não é um tipo de amigo qualquer. Também não posso chamá-lo de meu melhor amigo, muito menos de namorado. A verdade é que eu nunca achei uma categoria a qual colocar o Fred. Na lista de contatos de meu celular tive que criar um grupo unicamente para ele, qual o nome desse grupo? Alguém.
Sim, um alguém. Um alguém que talvez eu nunca descubra uma palavra para identificá-lo em minha vida. Um alguém do qual o nome parece já ter nascido na memória. Um alguém que eu conheço o cheiro, os gostos, os não-gostos, as angústias, as felicidades, os medos, os defeitos. Fred possui muitas qualidades, mas uma em especial fez com que ele ficasse tão difícil de ser colocado em um grupo de contatos qualquer: Fred nunca desistiu de mim.
Nem quando fugi de casa. Nem quando o bati e despedacei seu coração. Nem quando eu comecei a usar drogas. - Aqui todos já haviam me abandonado, menos Fred- Nem quando tentei roubar uma loja. Aquela não era eu, mas só o Fred se lembrou disso. E foi exatamente ele que me convenceu a não cometer essa loucura. Lembro-me como se fosse hoje. 
Eu me sentia zonza, e parecia que eu havia injetado adrenalina no meu sangue, mal sabia que o que eu tinha injetado era algo que me matava aos poucos. Estava andando em direção a pequena loja de minha tia, iria roubá-la. As ruas vazias à meia-noite. Quando estou prestes a cometer o maior erro da minha vida, ouço uma voz que nem perdendo a memória eu esqueceria, era Fred.
- Bia- ele gritava desesperado- o que vai fazer?
-Vá embora Fred! Esqueça que eu existo.
-Bia, não faz isso- ele chegou perto, firmou suas mãos em meus braços- você não quer fazer isso. Agora, olhe nos meus olhos e me diga; você ainda quer roubar a sua tia?
Eu chorava muito e ele me abraçou. Foi tudo o que eu precisei naquele instante, um abraço. E Fred me levou para casa, a dele. Eu não tenho uma, minha mãe me expulsou dela depois que eu mesma fugi. 
Fred cuidou de mim quando eu mesma já havia me deixado, quando eu já havia me esquecido. Então me diga, que categoria eu daria a ele? De namorado? Mas Fred é tão mais que isso. Melhor amigo? Acho que até esses nos deixam quando nós nos largamos. Irmão? Se minha mãe me deixou, meu irmão então!
Por isso acho que Fred é um alguém. Um alguém do qual um nome não define, fórmulas não explicam, realidade não determina. Um alguém anormal. Um alguém que eu amo, necessito. Talvez possa dizer que Fred é minha vida, pois sem ele eu não teria mais uma. Então, quando me perguntarem: Quem é você? Responderei: O reflexo de Fred!


Palavras também choram

Jogava-as no papel
Incertas, inacabadas
Escrevia-as tortas
Em linhas indesejadas.

Aquele líquido quente
Descia por face infiel
Não doía mais que as palavras
Essas também sentiam o fel.

Mãos culpadas sobre o papel
Caneta indócil escrevia
As lágrimas que da tinta saíam
Para as palavras
Com tamanha covardia.

Choravam as letras
Essas manipuladas
Por mente doentia
Por dona fragilizada.

Doía nela que sofria
Mas, doía mais nas palavras
Tamanha covardia expressada
Que elas carregam no papel, solitárias
Sentindo em todas as letras, cada lágrima.

Pauta para o Bloínquês- 31ª Edição Poemas.
Quem disse que as palavras não choram?

quinta-feira, 24 de março de 2011

A canção das estrelas caídas

    Não enxergo mais sua face querida. Aquela que estava em meu peito todo início de dia, aconchegando-se e chegando mais perto. Apertando-se contra ele como se aquele fosse seu refúgio mais seguro. Deslizando a mão suave, como se ela pudesse traduzir aquele momento tão indescritível. Acho que você ouvia como pulsava forte meu coração naquele instante, não pulsa mais assim hoje.
    Eu te puxava mais pra perto, e eu te sentia por dentro. Não éramos um porque estávamos juntos, éramos um porque os dois corações batiam no mesmo ritmo e dançavam a mesma música e mesmo estando em peitos separados, colidiram-se quando a beijei. E a beijei como se as estrelas fossem cair naquele instante. E caíram.
    À noite andávamos de mãos dadas e parecia que ela tinha sido moldada em nossa história, era ela que compunha aquela canção que cantávamos. Hoje ela se tornou um solo. E seus olhos me contavam histórias, e eu me entregava a eles. Hoje canto essa música para que as estrelas que caíram à leve de volta para você. E as cordas de meu violão desafinaram, e sua doce voz escapa incerta por meu inconsciente.
    Ainda espero a sua resposta. Aquela que você levou junto com meu coração. Querida, você sabe como é difícil pra mim escrever essas palavras, mas elas irão compor a canção que escrevo para você nessa noite silenciosa que nunca deixou de ser nossa. Talvez eu sonhe com a sua resposta, talvez eu já a tenha escutado antes dela ser pronunciada, porque suas palavras moldam meu coração, agora a parede dele está descascando e você não estará mais aqui para dar uma nova mão de tinta.
    Ainda sinto o seu cheiro naquela cama em que sua face ainda pertencia ao meu peito, hoje ele guarda um coração pesado, que canta para você toda noite e ele sabe que você escuta a canção das estrelas caídas. A música querida, essa me consola, porque é você que eu vejo quando fecho os olhos e a deixo deslizar pelas ruas vazias. Porque eu a sinto quando essas palavras chegam a mim silenciosas.  Partem de dentro de mim e voltam como um eco, distante.
    Suas mãos meu amor, essas que me faziam sentir o sol arder por dentro e queimava quando a minha pele tremia de amor. Se eu pudesse traçar um rumo em seu corpo que me levasse até onde sua alma fosse, eu traçaria. Eu poderia seguir suas pegadas, mas essas foram apagadas pelo cruel destino. E hoje só me restou essa canção.
    Anjos do bem não caem do céu, mas querida, você era um. E talvez seja por isso que você voltou para ele, anjos não podem ficar longe de sua casa por tanto tempo. E eles não podem pertencer a um mero mortal, pois é isso que eu sou, um mortal que canta a sua imortalidade.
    Talvez se eu a tivesse segurado com mais força, se meu corpo ainda abraçasse o seu nessa manhã, se seus lábios ainda tremessem desejosos nos meus. Eu ouviria sua resposta a luz da lua que pertencia àquela noite, eu ouviria o ‘sim’ que mudaria a letra dessa canção. Talvez se você estivesse na nossa capela àquela noite e não no seu carro em direção ao que hoje permanece entre nossos corpos, eu ainda sentisse sua face em meu peito e sentisse meu coração pulsar forte ao senti-la.  

Pauta para o Bloínquês-  Edição Musical 

-Para mim, foi mais como compor uma canção! Desejo que vocês a tenha escutado com a alma.

terça-feira, 22 de março de 2011

Relatos de um quase assassino


Eu encarava aquele chão sujo no qual eu havia estado minhas últimas noites. Cuspia nele como se fosse culpado pelo álcool que ardia em minha garganta e que agora arde em meu peito também. Eu enterrarei minha alma quando ela estiver perdida, subjugarei meus medos insanos, que não me deixam lúcidos o bastante para mantê-la intacta desse enredo escrito com sangue.
Sua inocência não estar mais aqui querida, e por isso, tudo em minha volta se tornou os pecados que agora profano com o corpo que você já não pode tocar mais.  Foi seu sangue que escorreu naquela noite, é o sangue do assassino que escorrerá nessa e é a mão de outro que irá derramá-lo. Não consegui manter a culpa presa na gaiola e hoje ela grita por liberdade, está dando lugar à vingança, cruel e destemida.
Serei como o demônio que protege seu anjo, me tornarei naquilo que um dia retirou sua vida, para vingá-la. Sei que isso estará indo contra sua fé, mas eu agora fui obrigado a criar a minha, já que a sua não me trouxe respostas concretas, para ativar novamente o bombear de sangue nesse coração tenebroso.
A raiva possuiu meus olhos e eles clamavam por ver o sangue daquele que fez o seu jorrar. Meus passos lentos pela sarjeta não correspondiam ao pulsar forte de meu coração que se sentia a caminho de uma estrada sombria e tão desejada. Talvez eu seja perdoado por não estar roubando a vida de um inocente e sim de um cruel que arrancou as asas de um anjo. Um anjo que eu amava.
Direcionei a visão iníqua ao assassino que estava andando pelos becos escuros à procura de outra vítima, talvez outro anjo para roubar as asas, mal sabia que a “vítima” dessa sombria melodia noturna seria ele. E que o sangue que jorraria vivo pelas ruas vazias seria o que um dia fervente em veias derrubou de uma vida inocente e que levou com ela outra vida, a minha.
Jorrei o líquido num lenço branco, minhas mãos iniciantes tremiam, mas dentro da minha alma tremia também o desejo pelo pecado. Eu tinha como cúmplice um amor que ficou doente. Segurei nos cabelos do assassino e pressionei o lenço em seu nariz com mais força que o necessário. A respiração que saiu de minhas narinas era quente, ácida e me matava junto com o assassino.
Arrastei-o até um velho apartamento ali abandonado. Joguei-o no chão imundo da sala. Eu o encaro com nojo, com ódio, esse último percorre minhas veias como um ladrão que invade a casa de um milionário à noite. Temeroso, mas irredutível. Eu poderia desistir naquele instante, se o rosto de minha doce Emy não tivesse aparecido em minha mente, com o sangue servindo de moldura para seu corpo. Maldito assassino que tirou sua vida, maldito assassino no qual me tornarei.
Lentamente aquele homem ali no chão abria os olhos. Eu olhei para a janela, preocupado que alguém estivesse nos vendo. Não poderia correr o risco de passar o resto do que sobrou de minha vida, atrás de uma cela, com lembranças trancadas na mente.  Coisa de iniciante. As ruas dali sempre estiveram vazias. Tal qual estarei quando acabar com esse tormento. Não me restará nada, nem mesmo o ódio.
- Onde estou?- perguntou o assassino.
- A caminho da sua morte- respondeu o outro. Sim, me tornarei um.
- O que está fazendo? Quem é você?- perguntou, ele até parecia ter um coração agora, mas não se lembrou dele quando possuía uma arma na mão. Talvez eu não possua mais um, agora que estou com uma também.
 - Eu? Sou o viúvo da mulher que você tirou a vida para roubar uma jóia. Sou um ninguém que agora percorre por ruas que em nada me alteram. Sou o homem que chora amargurado pela morte de sua amada inocente. Sou um insano que está a sua frente prestes a solidificar essa insanidade. Sou aquele que fará seu sangue correr, para você saber como é ver o sangue se esvair. Eu poderia matar a mulher que você ama, mas você não sabe nem o que é isso. Eu? Serei seu convidado de honra para o cargo de assassino de sua própria vida.
O outro assassino que estava comigo nessa sala deixou uma lágrima cair sobre a face. Uma fraqueza bateu em meu coração, mas não era o suficiente para dar um freio ao ódio que por minhas veias percorria.
-Estás com medo?- perguntei com um sorriso sádico.
-Não- ele disse- quero que me mate.
-Ah, então além de assassino és também masoquista?
-Será que não enxergas?- ele gritou, estava furioso.
-A sua crueldade?
-Não. A nossa! Há dois anos mataram meu filho de seis anos de idade, pelo simples fato dele ter derrubado outro menino de uma bicicleta. Crianças. Mas o pai da outra criança não se conformou com a ingenuidade de meu filho e o afogou num lago. O que eu fiz? O puxei para uma rua vazia e deixei seu sangue jorrar até que seu corpo ficasse seco, pálido. Acontece que as coisas não aconteceram como eu pensava, eu não tinha me conformado com a morte daquele assassino. O meu filho ainda me fazia falta, eu ainda me sentia vazio.
-E qual a culpa de minha mulher nessa história?- Gritei com uma fúria constante.
-Nenhuma- ele respondeu de cabeça baixa- ela foi apenas mais uma que apareceu na frente desse assassino no qual me tornei. Por isso, te peço que me mates para que tenha um fim esse ciclo vicioso. Parar corações torna-se um vício que como qualquer outro, não se pode controlar.
Deixei a arma que eu possuía em minhas mãos de dor cair. A raiva ainda circula por dentro de mim. Mas as palavras daquele assassino, agora me impediam de me tornar um. E se eu não me conformasse com a morte dele? E se eu deixasse viúvo outro homem que assim como eu se tornaria amargo? E se essas ruas vazias fossem as cúmplices de outros amargurados desejosos de vingança? Não, não preciso me tornar um assassino para vingar a morte de quem eu amo, nem para vingar a minha também.
Enquanto eu mantinha meus pensamentos que agora traziam um pouco mais de lucidez, ouvi uma explosão em minhas costas. Era um tiro, mais um que penetrava em meus ouvidos, mais um que me fazia sentir dor. Dessa vez, a dor havia se tornado sólida. O sangue que agora jorrava, não era o que havia sido planejado para essa noite. O sangue que percorria aquele chão era o que passava quente por minhas mãos, era o meu.
-Desculpa, mas como eu já disse não se pode controlar- disse o assassino ainda chorando.
Fechou a porta do apartamento. Fechou a porta da minha vida. Talvez agora eu não me sinta mais vazio. E enquanto meu sangue desce veloz pelo chão, eu imagino se foi assim que se sentiu Emy. Enquanto minha vida se esvaía, meu amor parecia estar se reencontrando. Então querida, não sinta mais dor, estou chegando.

Pauta para o Bloínquês- 59ª Edição Conto-história.

 Dedico esse conto ao meu escritor favorito de contos de terror- Kaury Rocha- ele que me permitiu passear com seu personagem por alguns minutos, para me inspirar nesse nada prolixo conto, espero que gostem. 

domingo, 20 de março de 2011

O espelho quebrado

Enquanto eu mergulhava dentro dessa água quente,
Eu sentia que aquilo tudo nunca passou de meras palavras.
Desrespeitamos nossos sentidos e hoje eles gritam para nosso silêncio.
E por mais que você olhe no espelho e diga a si mesmo:
Nunca deixei de ser eu!
Ele te devolverá palavras desrespeitadas como lição:
Não, não és. Deixou de ser quando proferiu sua alma distorcida.
E por isso nem enfrento meu reflexo mais, se é que eu ainda o tenho.
Acusamos demais o tempo, e ele deve estar se queixando disso agora.
Apontamos nossos dedos para o infinito, mas a verdade é que eles deveriam virar-se para nossos próprios ecos.
Perdemo-nos dentro de nossas dúvidas e elas nos engoliram para lugares distantes.
E desmanchamo-nos nessas águas quentes que hoje passeiam em nossa face, nos provando que tomamos decisões iníquas as nossas almas.
Ferimo-nos com armas de fogo e agora as cicatrizes levaram nosso amor ao coma profundo. Talvez ele morra. Mas meu inconsciente ainda se lembrará de você enquanto os aparelhos mantiverem esse nosso amor respirando.
Talvez um dia, quando nossa boca proferir as palavras corretas, possamos trazer-nos de volta para o espelho e talvez possamos nos tornar em nós mesmos de novo. E assim o medo que sinto possa também ir embora. E eu colarei o espelho novamente. Ele me mostrará uma alma rachada, mas ela será novamente minha e eu voltarei a ser realmente eu. Pois só posso me ter, quando você está dentro de mim. Caso contrário o reflexo que ali aparece estará distorcido, oco.


Dedico a minha amiga Any do blog Idiossincrasias.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Hoje se sentiu leve


  Antecipo a você que agora lê essas palavras meio tortas, que elas não terão nada de “sofisticada”. Não serão escritas para encher seus olhos de águas salgadas, nem te arrancará um sorriso dos lábios. Seus olhos poderão ter parado por aqui, eu entendo. Um freio que eu mesma puxei. Pode ser clichê, mas eu prefiro nomear como sentimento. Afinal, se é clichê, por favor, vocês me inventem uma nova forma de amar!
    Hoje seria um dia comum como qualquer outro, meu comum é meio de outro mundo, estou falando de dentro para fora. Eu estou falando? Não, é mais esse órgão pulsante que carrego dentro do peito. Hoje ele ficou leve e quis pronunciar-se, mas não se enganem, pois ele pesa às vezes.
    Essas palavras moldam o sentimento que agora sinto, ele não é bom, mas mesmo assim fez-me sentir dinossauros rodando meu estômago. Desejei um abraço, bem forte. Não de qualquer pessoa. Desejei palavras soltas, não de qualquer boca. Precisei de um beijo, não de um beijo qualquer, mas sim, um beijo de amor. Não, eu não estou apaixonada. Estou e sempre estive amando.
    Arrastei meu coração e ele pulsou lento demais, acredite, quase parou. Exagero? Sentimentos nunca foram moderados, reduzidos pela razão e muito menos dominados por nós, meros mortais. Se você já amou algum dia, e sim, posso afirmar que já, sabe exatamente o que essas palavras dizem à seus olhos agora.
    Senti necessidade de um abraço especial. Quem é ele? Ah, sentimentos também devem ser guardados. A sete chaves? Não mesmo. Preciso apenas de uma, e essa cada qual tem a sua. Bem tem Aquele que possui a chave mestra. Mas, preciso afirmar com todas as forças que possui esse “velho” coração, que faz falta.
Faz falta. Um olhar que nos conhece mais que nosso próprio eco. Um abraço que salva nossas vidas. Palavras, tão desajeitadas, mas que sabiam o porquê de estarem sendo pronunciadas. Quanta razão nessa emoção. Mas tão ilógica pode ser.
    Obriguei minhas mãos a te deixarem ir, os meus pés a não correrem pra junto de você, as minhas palavras a não serem tão egoístas, mas não pude obrigar o meu coração a não sentir o medo, a saudade e o amor que ele sente. Mas também permiti. Permiti que minhas lágrimas descessem espontâneas, livres, salgadas, ácidas por dentro. Permiti um último abraço apertado. Permiti meus olhos te acompanharem até não mais poderem te enxergar. Permiti que partisse com você um pedaço do meu coração.
    E esse você vai me entregar, quando voltar, e eu sei que você vai. Porque é verdadeiro, portanto, será eterno. Você virá, trará de volta tudo o que eu obriguei a ficar, mas que nunca deixou de pertencer a sua chave e tudo o que eu permitir ir, que também nunca deixou de ser meu. Ah meu melhor amigo, como esse amor pesou no meu peito, hoje ele está leve. Por que hoje ele ouviu sua voz que mesmo há quilômetros distantes dele ainda o dava conselhos. Ficou feliz, mesmo que volte a pesar amanhã. Hoje ele esteve leve.

quarta-feira, 16 de março de 2011

O destino amarra novamente o laço


Olhos atentaram-se nervosos
Mãos mexiam-se trêmulas
Corpo parou extasiado
Demasiado momento do destino
Personagem infame em sua visão

Encarava-o com olhar perfurante
Mágoa ardia feroz no peito
Saudade doía gritante do outro lado
Que queria abraçar desesperadamente
Pernas corriam mesmo paradas no êxtase.

O homem parado reagia estranho
Não falava e nem se movimentava
Encarava com olhos de piedade
O passado revirava-se em ambos
Borboletas sólidas gritavam no estômago.

Olhares ininterruptos subjugavam-se
Subjetividade alheia a pertencia impetuosa
Não se escolhe o amor imensurável
Mas se conquista a confiança indispensável
Tal qual foi ferida, despedaçada.

Deu passos lentos em direção ao iníquo
Presença forte em seu passado juvenil
Expressão frágil e desesperada à sua frente
Via-se presa no abismo da escolha
Estendes a mão oferecendo o perdão
Ou o merecido retorno do abandono?

Mãos cálidas mexiam-se velozes
Cabeça baixa, ele encarava aquele chão
Ouvia os passos chegarem perto
Na velha face uma lágrima de solidão
Sabia que as palavras poderiam surgir ácidas.

Ela aproximou-se silenciosa e quieta
Como brisa suave em folhas já secas
Expressão sólida de mãos suaves sobre rugas
Disse carente pelos lábios de emoção:
Papai o senhor desmanchou a confiança
Mas hoje te dou o meu perdão.

-Pauta para o Bloínquês-30ª Edição Poemas.

domingo, 13 de março de 2011

O Poeta


Olhos, lábios, braços e pernas
Compôs aquela canção
Suave, com melodia de dor
Dançante no velho papel
De um poeta sedutor.

Unhas, cabelos e pele
Foram escritos a mão
Velha tinta que escorregava
Da velha caneta de pena
Que pelo papel se apaixonara.

Sorrisos, lágrimas, paixão
Pintou no corpo delicado
Vestido de amor e emoção
De olhares disfarçados
Fez-se o poeta solidão.

Surgiu-se filme de romance
Na tela da televisão
Batia no peito escrito
O decalcado coração
Cheio de palavras pulsantes.

Sangue corrente nas veias
Vermelho na bochecha corada
Da moça ali em desenho expressa
Escrita de véu e grinalda
No casamento com o seu poeta.

sábado, 12 de março de 2011

Fogão de Lenha

Querida mamãe,

Liguei ontem para seu celular inúmeras vezes até cair na caixa, queria te dar a notícia que te deixaria imensamente feliz. Eu fiquei horas imaginando seu rostinho de felicidade, seu sorriso que já formavam as indesejadas rugas.  Imaginei suas lágrimas de felicidade a cair juntamente com as minhas, que já começaram de hoje. Fiquei imaginando como seria forte nosso abraço de reencontro, depois de tantos anos. Cheguei a sentir o cheiro do velho fogão de lenha. Esse que mesmo depois de anos, a senhora não consegue abrir mão.
Pois é mamãe, deixei para te fazer uma surpresa, já que seu celular estava desligado ou fora de área. Agora me arrependo amargamente de não ter tentado outras inúmeras vezes. Estou do outro lado do mundo. Meu dia é sua noite, minha noite é seu dia. Mas meu coração ainda possui aquele cordão umbilical com o seu.  
Acordei tão feliz hoje, mal conseguia respirar quando pensava em te ver depois desses quatro anos de distância. Sabe mamãe, ela às vezes assusta. E por falar em falta de ar, perdi o meu por alguns minutos. Dessa vez não foi de saudade, quisera eu que fosse, estaria prestes a acabar com ela. Eu estaria sentindo aquele seu abraço agora. Talvez eu não o sinta mais.
Estava saindo de casa, à caminho do aeroporto, sorriso estampado no rosto foi se encolhendo aos poucos quando a terra tremeu embaixo de meus pés. De início achei ser mais um terremoto comum, logo iria passar e eu continuaria andando. Andando em sua direção, ao seu encontro. Mas ele ficou mais forte, parecia que a terra fosse se abrir diante de mim mamãe. E eu chamei por você, mesmo sabendo que a senhora não poderia me socorrer. Imaginei se seu coração não tinha ficado apertado, como nas novelas, pois nesse momento mamãe, uma imensa onda vinha em minha direção, devastadora, cruel. Trazia consigo tudo o que encontrava pela frente, me levaria também mamãe. Corri com todas as forças que eu tive.
Crianças choravam, estavam todos desesperados. Eu pensei em mil coisas enquanto corria. Obriguei-me a me manter correndo, a onda era mais rápida. Ela me pegou com força mamãe. Aquele baque contra mim me fez lembrar por uma última vez antes de apagar o seu rosto. E eu chorava, mas a água não deixava minhas lágrimas visíveis. Quem as veria naquele instante?
Acordei presa nos escombros de algo que eu não sei identificar.  Tudo é muito escuro aqui mamãe, e eu sinto muito medo. Minha bolsa estava grudada em meu braço, a apertei com força na hora do desespero, e ela continuou presa a mim. Eu deveria estar morta agora. Não me pergunte como vim parar aqui e muito menos onde é aqui. Apenas uma brecha de luz onde encosto esses papéis úmidos de meu diário, que por sorte se mantinha naquela caixa de ferro que a senhora me deu, para tentar escrever essas palavras, que espero de coração que não esteja lendo. Isso significaria que eu mesma não pude pronunciá-las. Isso significaria que eu não poderia ter te abraçado.
Minha cabeça gira, minhas pernas doem como se um trator as estivesse esmagado. A respiração é ácida, doe até escrever, mas isso eu faço por que preciso que saiba que era para eu estar aí, ao seu lado. Comendo o feijão do velho fogão de lenha.
Caso esteja lendo essas palavras, sua filha estará agora em um lugar desconhecido por todos nós. Sua filha será considerada mais uma vítima da catástrofe do Japão. Eu serei uma vítima do grito de retorno da natureza, esse que mesmo silencioso causa a dor que agora eu sinto, e que a senhora pode estar sentindo ao ler essas palavras também. Talvez essa seja a hora de cortar o cordão umbilical.
Mas, saiba que sempre senti falta do cheiro de seu feijão, de suas reclamações, de seu sorriso, do cheiro de alfazema que a senhora emanava pela sala, do café quentinho toda tarde, das cantigas que a senhora sempre cantarolava ao fazer o almoço. Sentirei falta do abraço que não pude ter. Por que te amo mamãe, desde quando eu era apenas um serzinho em sua barriga, tão aconchegante.
Se estiver lendo essas palavras, me perdoe pelos netinhos que não pude dar, pelos abraços que não foram concretizados nesses quatro anos, por não ter ficado aí, junto ao fogão de lenha e ao bule de café. Mãe eu estava levando um perfume de alfazema comigo, e agora eu o passo em mim, porque se for pra partir, que seja com o seu cheiro.
Sentirei falta dos pãezinhos de queijo. Te amo muito mamãe, e isso nunca morrerá.

De sua filha querida.


Pauta para o Bloínquês- 34ª Edição Cartas.

Inspirada em: Fogão de Lenha- Pe. fábio de Melo.

Confesso estar entre as lágrimas agora. Não sei você caro leitor, mas só de imaginar em perder minha mãe, faz meu coração inundar-se profundamente em desespero. Digam-me o que acharam da carta, seus gritos sempre ecooam em meu silêncio. Beijos a todos!

sexta-feira, 11 de março de 2011

Promessas



Seus olhos juravam
Sua boca conjurava
Seu coração contradizia
Essas palavras mentirosas

Suas mãos tocavam
Esse corpo parado
Deixei-me manipular
Por seu sorriso afável

Emanava de você
Aquele ar de mistério
Pensamentos enganados
Por seus deletérios

Penetraram em meus ouvidos
Falsas palavras malditas
Quase que acreditei
Em suas promessas proferidas

Hoje meus olhos veem
Meus ouvidos ouvem
Que todas suas promessas
Não passaram de palavras
Só faladas, nunca cumpridas!

quarta-feira, 9 de março de 2011

Faltava um pedaço


Abriu os olhos vagarosamente. Embora com as pálpebras já abertas, ainda não tinha realmente acordado. Sentia o gosto amargo na boca, gosto de arrependimento. Havia dois dias que tinha brigado com o pai. O jeito protetor dele machucava-a às vezes e acabavam sempre brigando. Mas, dessa vez, foi diferente: ela viu que eram definitivas as palavras que ele pronunciou com olhos sérios. Olhos de ponto final.
Obrigou o corpo a levantar-se. O coração apertado, de uma forma que ela nunca tinha sentido antes, parecia querer correr. Seu coração queria correr ao encontro de seu pai, pedir desculpas. Mas o orgulho não deixava suas pernas se moverem.
Desceu até a cozinha para preparar o café. Tudo fazia com que ela se lembrasse dele. De como ele preparava o café assobiando. Aquele café amargo, que ela sempre reclamava. Podia sentir até o cheiro que emanava dele, quando o abraçava bem forte.
O telefone tocou arrancando-a de seus pensamentos. Atendeu com a esperança de que fosse ele. Mas, no fundo, sabia que tinha puxado dele o seu próprio orgulho.
-Alô- Atendeu esperançosa.
-Senhorita Letícia Prado de Santana?- Disse uma voz desconhecida.
-É ela. O que deseja?- Perguntou curiosa e nervosa ao mesmo tempo.
-Aqui quem fala é Pedro Soares, do hospital Renascer. Seu pai sofreu uma parada cardíaca. Encontra-se internado em estado grave.
O telefone escorregou de suas mãos nesse instante. Seus olhos fitavam o nada. Suas pernas tremiam. Um filme de lembranças passava em sua cabeça. Lembrava dos abraços apertados, das histórias para dormir, de como corria à noite para o quarto dele quando sentia medo, de seu sorriso orgulhoso quando ela fazia algum avanço bobo, de tudo.
Depois de alguns minutos, extasiada naquelas lembranças, no medo que agora sentia, seu orgulho tinha sumido e suas pernas corriam em direção ao carro.
Mal conseguia colocar a chave. As primeiras lágrimas escorregavam por sua face. Acelerou e seria presa se pega na velocidade ultrapassada. Ela não estava consciente disso. A pessoa que ela mais ama está numa cama, à beira da morte.
Chegou aos prantos no hospital. Mal conseguia perguntar o quarto onde o pai estava. Correu para lá assim que descobriu. Deparou-se com aquele homem que tanto te ensinou. Pele pálida e frágil do tempo, qua agora o castigava. Olhos tristes a encaravam. Olhos de medo também. Aproximou-se.
-Pai- disse entre os soluços, apertando aquela velha mão cálida. Mãos que já lhes fizeram muito carinho quando criança- Me desculpa meu velho pai, eu não deveria ter dito aquelas palavras ao senhor. Fui tão errada!
O homem fingia-se distraído, mas ouvia o que ela dizia.
-O senhor é a pessoa mais importante que eu tenho nesse mundo. Meu escudo.
-Achei que eu fosse um inútil- ele disse finalmente e uma lágrima escorreu pelos seus olhos- Achei que eu fosse um velho imprestável e que só servia para te dar trabalho.
Essas palavras a acertavam ferozes e ácidas.
-Não- ela mal conseguia falar- nunca foi. O senhor sempre foi a única pessoa que sempre esteve ao meu lado, que me ensinou tudo o que hoje sei. Que construiu toda a minha personalidade. E que por isso é tão parecida com a sua. Meu velho e querido pai.
-Minha filha- o homem falava lentamente- eu nunca te disse, mas depois que sua mãe se foi, a única pessoa que me restou foi você. Você é a coisa mais preciosa que esse velho aqui tem. Todas as vezes que fui rude, não foi para machucá-la e sim para protegê-la. Hoje estou velho, frágil. Não posso mais proteger você, me desculpa minha filha, não posso mais estar ao seu lado.
-Papai, a única pessoa que tem que pedir perdão sou eu. Perdoe-me por todas as palavras mal pensadas. Eu te amo muito, papai.
-Eu também- saiu num sussurro.
O coração daquele velho homem havia parado. O dela batia lento e rápido ao mesmo tempo. Batia despedaçado, faltava um pedaço agora. Um pedaço que havia parado, junto com o coração do velho pai.


Pauta para o Bloínquês- 57ª Edição Conto-história.

Sim, estou viciada no Bloínquês. Mas, sinceramente não é proposital. Eu falo a mim mesma: Você só vai participar de uma edição por semana, duas no máximo. Mas a inspiração me agarra, coloca uma arma em minha cabeça e diz: Ou você participa, ou eu te abandono. Haha. Aí eu participo né? Contradizer inspiração não dá sorte. Obrigada à vocês meus amigos, que sempre leem esses meus gritos e que gritam também.

terça-feira, 8 de março de 2011

Carnaval?


Carnaval, segundo o dicionário Aurélio, são três dias precedentes à quarta-feira de cinzas, dedicados a várias sortes de diversões, folias, folguedos. Na televisão uma explosão de alegrias, purpurina, samba no pé.
Os comerciais de cerveja são mais frequentes. Mulheres praticamente peladas aparecem sambando com um sorriso esplêndido na face. Saltos, pandeiros, fantasias. Escolas de samba com seus carros alegóricos gigantes ganham a atenção da arquibancada que ali vibra.
Mas onde estará o resto da plateia? Em casa vibrando na televisão de 14 polegadas? Descansando da batalha diária para sustentar a família? Ou quem sabe ainda seus telespectadores não estejam deitados sobre as calçadas, assistindo de camarote toda essa folia?
Alguém faz ideia de quanto custa a fantasia de uma baiana? Quantas baianas a mais têm numa única escola de samba? Deixando de lado as madrinhas, porta-bandeiras, rainhas e todo o resto que ali “samba”.
São três dias. Três dias em que a subjetividade de uma minoria está acima da fome de muitos. Três dias de festa, samba, “diversão”. E o resto de uma vida que poderia ser mudada na miséria.
Quanto dinheiro não é gasto em apenas três dias? Quantas vidas não poderiam ser mudadas com o mesmo? Como sambam e se divertem sabendo que o resto de uma população está “sambando” todos os dias nas esquinas em busca do que comer?
Sabe onde vão parar todos aqueles carros alegóricos que custaram milhões de reais para serem confeccionados e desfilarem por três dias? No lixo. Quantas pessoas não poderiam ter sido tiradas dele?
Carnaval para mim está muito longe de ser divertido. Talvez eu até descanse, mas conseguem descansar também aqueles que no solipsismo diário sentem na barriga o vazio que aqueles milhões poderiam preencher?
Meus olhos assistem indignados a esse teatro carnavalesco. O teatro vivido por personagens sofridos, excluídos e esquecidos. O teatro da desigualdade!


Pauta para o Bloínquês- 50ª Edição Opinativa.



Só esclarecendo que não foi minha intenção ofender ninguém que samba, curte e se diverte no carnaval. É só minha opinião e o que meu coração sente. Talvez vocês discordem e tem todo o direito, cada qual pensa de uma forma. Essa é a minha forma de pensar. Caso a sua seja diferente, é só escrever a sua opinião e participar da Edição Opinativa, haha. Agradecendo desde já a compreensão de todos!

domingo, 6 de março de 2011

Pretérito Imperfeito

Mais do que realmente fiz,
Seus olhos disseram
Os passos que nunca dei.
Caminhos tortos, incertos...
Onde estão seus olhos agora?

Busquei por minhas palavras
Aquelas que você levou;
Troquei de novo meu medo:
Esgotou-se o estoque.
Cadê seu sorriso? Desfeito?

Procuro ainda decodificá-los
Por esse labirinto estranho.
São só sentimentos, meu amor,
E você os levou longe,
Nesse pretérito imperfeito.

Fascinava-me, mesmo assim,
Essa sua [im]perfeição,
Que eu julgava tão perfeita.
Esquecer-me de seus beijos.
Está fora de cogitação


Onde estão?
Talvez longe demais, sem alcance;
Em outros rivais lábios,
Molhados, sentindo o tocar de sua face...
Onde caminham seus passos?

 Eu poderia seguir suas pegadas
Em qualquer caminho por onde passares,
E bem ao longe perceber
Que toda perfeição procurada
Estava em seu imperfeito e tão desejado ser.


-Pauta para o Bloínquês, 29ª Edição Poemas.

sábado, 5 de março de 2011

Surpresa!


   Caminhei sozinha pela cidade já adormecida. Dentro do peito apenas um amor não correspondido, na cabeça a lembrança daquelas suas palavras, tão rudes. Eu só queria sumir de mim mesma, queria não existir nessa história, ou melhor, queria que ela fosse escrita de outra forma, com palavras mais doces e carinhosas. Ás vezes, à noite, eu penso em fugir. Mas fugir para onde? Além do mais... Não adiantaria muita coisa, a dor não fica onde estivemos, ela nos acompanha aonde quer que nós vamos. 
   Mas sei que o mundo jamais girará conforme a música que meu coração toca, e terei que aprender a ouvi-las, mesmo que cheguem desafinadas aos meus ouvidos essas notas tão doloridas. É medo o que meu coração sente? Sim, é medo. Medo de que ele viva sempre assim, despedaçado. Medo de não achar uma saída na qual eu possa caminhar tranquila, com o corpo leve.
   Eu já não choro mais. E isso não é o que me deixa forte, ao contrário, é a prova maior de minha total fraqueza. De quão machucada já estou. Essa não é a primeira vez, talvez não seja a última. Temo não aguentar mais essas perfurações na alma. Temo já ter esgotado a última força que me sustentava. Temo ser você o causador da queda de minha pilastra emocional.
   Odeio tudo isso. Odeio a minha incapacidade de me reerguer, de concertar meu próprio coração ferido. Por isso me jogo em qualquer lugar. Por isso estou aqui hoje, jogada nessas ruas desconhecidas. Perdida nessa cidade, que vim te encontrar. Onde você não me quis. Jogada ao relento, à sua espera que nunca chega.
   -Joana- uma voz gritava ao longe. Era ele, o que queria agora? Destruir o que já não mais é inteiro?
   -Vá embora, volte para sua casa. Esqueça minhas palavras.
   -Ficou maluca? Você não deveria ter saído de lá daquele jeito.
   -Não? E deveria ter feito o quê? Observado parada você destruir o que restava de mim?
   -Quer fazer o favor de se levantar desse chão sujo?- ele me disse já irritado. Que direito ele tem para se irritar?
   -Não, obrigada.
   -Você ao menos sabe onde estar?
   -De que te importa? Faz alguma diferença, em qualquer lugar a dor é a mesma. Não melhora.
   Ele se aproximou e de uma forma voraz e delicada me forçou a levantar.
   -O que estar fazendo?- perguntei furiosa.
   -Tirando você daqui.
   Forçadamente me jogou em seus ombros enquanto eu relutava para me soltar. Eu batia nele. Juro que pude ouvir um risinho sair de sua boca, agora ele também sorri de meu sofrimento? Não bastou tê-lo causado? Chamou um táxi e me levou de volta a sua casa. Totalmente escura. Cadê toda sua família? Onde estavam os seus amigos que ele tanto amava, amigos que ele preferiu ao invés de mim.
   -Aí- pude ouvi-lo gritar atrás de mim.
   -O que houve?- perguntei preocupada, sem intenção.
   -Machuquei minha mão, pode abrir a porta. Disse passando-me a chave.
   -Tudo bem, mas a única pessoa que vai ficar aqui é você.
   Coloquei aquela chave na fechadura e senti meu corpo reagir a aquela situação. Empurrei a porta. As luzes se acenderam do nada. Uma multidão surgiu.
   -Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida!- Um coro cantava e eu não acreditei que aquilo pudesse ser para mim. Então lembrei, hoje é sete de março, meu aniversário.
   -Parabéns meu amor- disse uma voz suave em meu ouvido. Curvei-me para trás, ele estava a sorrir- desculpe pelas palavras de hoje mais cedo, não poderia estragar a surpresa.
   -Você é um idiota- eu disse sentindo um alívio inexplicável- mas ainda assim eu te amo.
   -Fico realmente feliz por isso- ele disse sarcástico, com seu sorriso que fazia um arrepio perpassar todo meu corpo.
   Beijamos-nos e uma multidão nos aplaudia, e finalmente meu coração voltou a bater ritmicamente inteiro.


-Pauta para o Bloínquês, 59ª Edição Visual.
-Pauta para o Créativité, 9ª Edição Gênero-Situação.